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ANÁLISE DO DISCURSO DE MORTE E VIDA SEVERINA: A ARGUMENTAÇÃO COM COISAS DE JOÃO CABRAL DE MELO NETO, O POETA DA RAZÃO?
Márcio J. Silva
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Pernambuco
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Crie um tópicoELIANA DE ALMEIDA
Achei muito interessante vc propor, pela Análise de Discurso, compreender o “racionalismo” em João Cabral de Mello Neto, como funcionamento discursivo, posição ideológica na língua, fugindo às classificações dadas de antemão, como colocá-lo pela crítica como um poeta da razão. O importante seria desconstruir esse percurso taxionômico/classificatório/nomenclaturas e compreender o seu percurso de produção poética, significando as posições teórico-ideológicas que lá se colocam, o escritor.
O Racionalismo, enquanto um lugar epistemológico, ou seja, um lugar de construção do conhecimento, supõe que o conhecimento é adquirido pela Razão, explicitando o célebre lema cartesiano Penso. Logo, sou..., em que o sujeito constrói-se como esse EU, que é porque pensa. Nesse contexto, a lógica constitui a trama do pensamento e do bem falar através de uma gramática lógica e normativa.
Esses sentidos, enquanto posição ideológica do sujeito escritor, são interessantes quando comparecem na poesia. A minha pergunta é, de que modo eles comparecem na poesia de Cabral de Melo?
Então vc trata de uma linguagem que foge à realidade, construindo em Cabral de Melo Neto um real outro. Sugiro vc lidar com a noção de contradição, conforme Pêcheux, em que um enunciado pode significar diferentemente, em relação à posição racionalista, por exemplo.
Vc faz uma leitura interessantíssima, mostrando o funcionamento de um não-racionalismo em Cabral. Sugiro apenas vc operar com o dispositivo teórico da Análise de Discurso no que concerne à posição ideológica e à posição-sujeito.
Essas noções aproximam a teoria e a materialidade do texto. Aliás, se o drama é uma paráfrase em relação às narrativas do Evangelho, acredito que esse ponto poderia ser melhor explorado, até para dizer o que em Cabral repete do texto sagrado, e o que produz de diferente. O funcionamento do Interdiscurso pelo já-dito. Essas redundâncias analíticas são fundamentais, num trabalho de linguagem.
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Márcio J. Silva
Boa-noite, Eliana!
Muito obrigado por seu comentário brilhante. É um comentário que me fez pensar que existo, pois tive de ficar pensando sobre ele um pouco para poder respondê-lo.
Essa visão Pêcheux, que um discurso pode significar diferentemente, que pode deslizar para outro sentido é algo que adoto na minha prática, mas que fiz a opção de deixar de lado em relação apenas às formações imaginárias (FIMs) tão propaladas de João Cabral. Considero isso um afastamento da Análise do Discurso (AD) para poder repensar as FIMs de João Cabral de Melo Neto, porque eu poderia ter anteposto à afirmação 'João Cabral é o poeta da razão' a seguinte pergunta: a razão é um universal? De outro modo: a razão é um universal para que João Cabral possa ser um poeta racional? No entanto, não segui esse caminho para poder comparar o que afirma a crítica literária sobre o poeta com o que aparece em Morte e Vida Severina. Ou seja, tomei razão como um universal platônico. Isso significa afirmar que aceitei as regras do jogo para poder jogá-lo. Do contrário, o trabalho seria sobre os sentidos de razão na filosofia.
Tentando responder mais diretamente à sua pergunta, mas focando a resposta a partir da leitura de Morte e Vida Severina, e não sobre toda a obra de João Cabral, o que se nota na ideologia do drama é precisamente a defesa de um discurso contrário à razão. Por exemplo, comparando o texto com uma visão cartesiana, quando Severino (o retirante) começa a pensar muito sobre a vida, ele chega à conclusão de que deveria cometer suicídio ("O homem que pensa é um animal depravado [decaído]", Rousseau, em sua obra irracionalista Discurso Sobre a Origem [...]). Parafraseando, o questionamento filosófico que Severino se faz é este: vale a pena viver a vida? Seu José, mestre carpina (uma referência ao pai de Jesus de Nazaré) tenta dissuadi-lo desse gesto de desespero o tempo todo e até o adverte que esse tipo de conversa não pode continuar: "Severino, reitirante,/ O mar de nossa conversa/ precisa ser combatido,/ sempre, de qualquer maneira,/ porque senão ele alaga/ e devasta a terra inteira." Ou seja, não se pode fazer esse tipo de reflexão, o que tomo como uma metáfora para as reflexões em geral, devido a outras passagens do drama. Nessa mesma, os argumentos de Seu José, embora muito bem elaborados, não têm efeito sobre Severino, retirante (posição anti-habermasiana). O que terá a capacidade de dissuadir o retirante é o nascimento de um menino, o filho de Seu José, numa relação interdiscursiva com a Bíblia, com o evangelho, em que o nascimento de um menino, de uma formação discursiva cristã, representa a esperança para a humanidade. Esse acontecimento, algo concreto no drama, não se trata de palavras, e que exige fé na religião, é que irá convencer Severino e o leitor de que se deve continuar vivendo, ou seja, a vida, mesmo a mais miserável, teima em continuar: "ver a fábrica que ela mesma,/ teimosamente, se fabrica," uma relação de paráfrase (interdiscurso) com o discurso de Schopenhauer (irracionalista), o qual afirma que a vontade de viver é persistente e teimosa.
Fico muito agradecido pela sugestão de explorar mais o interdiscurso evangélico em Morte e Vida Severina. Tenho um projeto de transformar meu trabalho em livro, espaço em que eu teria mais liberdade para ampliar essa discussão.