Associação de Escolas e Faculdades Públicas de Arquitetura da América do Sul

Os centros comerciais levantam algumas controvérsias quando incluídos no rol dos espaços de sociabilidade. A principal delas é ser um espaço em que todo aparato físico está voltado a fazer com que seus frequentadores consumam ou queiram consumir mercadorias e serviços que oferece. Lá, a sociabilidade não existe por si só, mas tem como pano de fundo o consumo. Segundo Lipovetsky (2004), são espaços do individualismo exacerbado, do consumo desenfreado, da desconexão com o tempo, o clima e as inconvenientes questões urbanas que possam se apresentar. Embora possam também ter uma função de espaço de sociabilidade, dificilmente estão relacionados a espaços que se articulam com a cidade.
Em alguns casos, paradoxalmente, também podem contribuir com vivências coletivas profundamente articuladas ao contexto urbano em que estão inseridos. Parece ser esse o caso do Centro Comercial Larcomar, em Lima, Peru, cujo projeto inclui uma dimensão significativa de espaços públicos, tendo sido nomeado finalista do 1º Prêmio Rogelio Salmona - espaços abertos, espaços coletivos (2014).
Ora, é esperado e desejado que projetos de instituições (culturais, educacionais, sedes governamentais etc.) proponham espaços coletivos de sociabilidade, dado sua própria natureza de ser e existir na cidade. Entretanto, o Larcomar se destaca, dentre as demais obras classificadas para o Prêmio, por estar entre as poucas obras de uso comercial e ser o único exemplar de sua tipologia (centro comercial) - em todas as edições realizadas até o momento. Apresentando-se como um caso particular, e talvez paradoxal, o Centro Comercial Larcomar parece ser suficientemente interessante para despertar nosso interesse.
Tal singularidade sugeriu a realização de estudo crítico e referenciado dessa obra, a partir da evidenciação de estratégias projetuais em confronto com o uso que a edificação abriga, ensaiando aproximação entre reflexão/ crítica/ teoria e projeto. Tem como horizonte de desejos a formação de repertório prático para a construção de espaços coletivos na cidades latino-americanas (WAISMAN, 2011).
Para tanto, a análise do Centro Comercial Larcomar foi realizada a partir do estabelecimento de percurso que seja passível de reprodução, comprovação e, inclusive, contestação - que é, “em princípio, a condição adequada de vida inteligente do debate acadêmico” (ZEIN, 2018, p.18).
O método de análise consiste em confrontar o projeto do Larcomar com parâmetros propostos por outros pesquisadores: Hertzberger (2012) e Priore Lima (2016), método que nasce de uma simples curiosidade investigativa em testar a aplicabilidade destes parâmetros fora do contexto temporal e geográfico em que foram gerados. Igualmente, da convicção de que suas reflexões são passíveis de serem transbordadas (ou adequadas) ao estudo de outros casos.
O estudo do Centro Comercial Larcomar demonstrou grande complexidade na relação entre arquitetura e cidade contemporâneas. O uso da edificação parece importar menos que a intenção de diálogo com a cidade, traduzida espacialmente em qualidade de implantação e possibilidades que o espaço aventa. O uso da edificação por si só parece não ser criador ou redutor de urbanidade.
Com este caso, a análise evidencia e valoriza instrumentos de projeto e soluções de arquiteturas que criem e potencializem a urbanidade nas cidades latino-americanas.