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Resumo

1. Da necessidade do ebó .
Quando pensamos “Quais danças estão por vir?” podemos nos remeter ao bastão da novidade, mas também nos perguntar quais danças ainda não estão/são validadas em determinados espaços. O espaço universitário historicamente construiu conhecimento e, muitas vezes, não deu voz ao detentor originário daquela sapiência. As graduações em Dança da UFRJ, em que pese todo seu valor e grandeza na construção da Dança brasileira, ainda não contavam com nenhum projeto específico sobre a corporeidade do Samba. Eis que viemos aqui oferendar nosso ebó-escrita para abrir as encruzilhadas de movimentos atravessados por saberes diaspóricos do corpo-samba.
Educação é fundamento de Exú, um “vir a ser” que opera nas instâncias da imprevisibilidade e possibilidade, é dialógica e inacabada, imbrica o “eu” ao “outro” e nos lança na condição de tecer nossa vida como uma resposta a ser dada àqueles que nos interpelam (SIMAS E RUFINO, 2019, P. 52).
O Samba no pé urbano carioca é uma performance corporal própria do samba do morro – ritmo urbano nascido na região do Estácio de Sá, no início do século passado, entre os anos de 1900 e 1920 –, marcada pelo desempenho livre do passista, em movimentações espontâneas, e que, frequentemente, diz muito sobre seu universo particular e contexto socioespacial. De objeto de rechaçamento cultural e social marcado como vadiagem de um povo que representava para o país, o passado e o retrocesso, à símbolo constituinte de nossa brasilidade e identidade nacional, o Samba no pé urbano carioca continua gozando de pouco prestígio e aceitação diante de sua importância. Vítima de incessantes processos de racismos, simbólicos ou não, a dança do samba, ainda hoje, é vista como uma estética menor entre outras já bem estabelecidas no universo cênico. Para além disso, o corpo que samba, costuma ter sua visibilidade licenciada apenas em determinadas efemérides, sendo segredado de outros espaços culturais durante o restante do ano; sendo-lhe permitido atuar apenas em espaços onde haja uma autorização folclorizada e/ ou objetificado do samba.
Nesse sentido, nos movemos a partir de Orunmilá e Exú , como forças primordiais de potencialidade e emergência de outras rotas, que se abrem em encruzilhadas; de tessituras que se darão à medida do caminhar. A própria escrita desse texto se faz como “oferendagem” de apresentação do movimento, que emerge como egrégora coletiva, chamada Núcleo de Pesquisa e Extensão de Samba no Pé Urbano Carioca (Núcleo SaPUCa). É um ebó epistêmico-político que opera por meio da universidade sem se limitar a ela. Possui como objetivo o estímulo, a preservação e o resgate da memória das danças do samba no pé, sobretudo, na vertente carioca, a partir da perspectiva do corpo, provendo, assim, mecanismos de cruzamento e interseção entre os saberes acadêmicos (e sua estrutura) e diáspóricos. Somos corpos-samba; corpos que sambam; corpos em samba. Alguns profissionalmente, outros não; alguns alocados “dentro da universidade”, outros “dentro da escola de Samba”; alguns no solo Pindorama, outros levando o samba pelas encruzilhadas do atlântico. Somos drible, esquiva, rasteira; sincope ; pé, cadeira e cadência .
2. Núcleo SaPUCa
Com a lenta, mas contínua mudança no perfil dos estudantes nas últimas décadas, frutos de políticas estudantis mais inclusivas, vimos chegar à universidade pessoas que não se viam representadas ou pensadas como potências sociais em projetos e objetos de estudo nos âmbitos das áreas de Humanas. O que fazer com aquele pé que escapa? Aquele quadril que não se encaixa? Como entender a ausência dos estudantes que trabalham no carnaval? A necessidade de um Núcleo como o SaPUCa mostrou-se iminente pela necessidade de transformarmos o ambiente acadêmico num local, cada vez mais plural e aberto ao diálogo com outras realidades estrangeiras a sua “normalidade” histórica. Assentar um movimento do corpo-samba enquanto ação coletiva e não-excludente (aberta a participação de sambistas não-universitários) em 2020, dentro da graduação em dança, denuncia a potência e a ausência de uma expressão tão própria do carioca e, simultaneamente, tão afastada das relações de ensino-aprendizagem formais.
Iniciamos nosso esquenta com o projeto “Quem te viu, quem te vê: Corporeidades Etnográficas do Corpo que Samba” e o curso de extensão Didática da malandragem. O projeto prevê cinco ações ao longo da jornada: um ciclo de entrevistas com quatorze passistas de diferentes agremiações e idades; a pesquisa e o resgate de figuras históricas tradicionais dessa arte; aulas de samba no pé; um festival, denominado Sambra e a criação e desenvolvimento de um sítio virtual – Sambapédia – que possa, enfim, agregar toda a produção (midiática e textual) das ações. Já o curso, consiste numa experiência multidisciplinar, ancorada na Dança, que se divide em quinze oficinas que apresentarão aulas temáticas com personagens que representem alguma face da malandragem carioca - desde sua performance mais clássica (Zé Pelintra) à mais antropofágica (Madame Satã).
Sendo assim, desejamos, exusíacamente , pensar/viver alternativas a situações que persistem em enaltecer práticas de morte, real e simbólica, dos corpos negros. Intentamos receber, perceber, pensar e estudar a partir do corpo,a emergência de características da cultura carioca que foram historicamente marginalizadas e construídas a partir de um ideário preconceituoso e racista, que entende as influências afro e ameríndias como cabíveis de apagamento; extermináveis.

Referências:
PEREIRA, Bárbara Regina. Pé, cadeira e cadência: trajetórias e memórias de passistas de escolas de samba do Rio de Janeiro. Meu samba, minha vida, minhas regras. 210f. Tese de doutorado. Programa de Pós-Graduação em Memória Social. Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro. 2019.
SIMAS, Luiz Antônio. RUFINO, Luiz. Flecha no Tempo. 1ª ed. ed. Rio de Janeiro: Mórula, 2019.

Instituições
  • 1 Universidade Federal do Rio de Janeiro
  • 2 Universidade Federal Fluminense
  • 3 Faveni
Eixo Temático
  • Dança e diáspora negra: poéticas políticas, modos de saber e epistemes outras
Palavras-chave
SaPUCa
Samba
Universidade
corpo