Grafias Moventes: processos de criação em dança a partir do cuidado

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Comitê Temático - Apresentação Oral
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Resumo

Este trabalho busca refletir sobre processos de criação em dança a partir da poética Casa-Corpo-Habitação desenvolvida pelos Intérpretes-criadores da Companhia de Dança Contemporânea da UFRJ. Analisamos também práticas laboratoriais desenvolvidas nas disciplinas de Introdução aos Fundamentos da Coreografia e Fundamentos da Coreografia II ministradas de modo remoto no contexto do distanciamento físico presencial imposto pela epidemia do novo Coronavírus. A ideia é pensar uma dança que nasce em cada instante em nossas práticas, exercícios respiratórios, improvisações, meditações, visualizações criativas e escritas automáticas como fruto de um fazer originário e essencial de Cuidado. Lançamos mão de protocolos de pesquisa em dança gerados a partir da Teoria de Princípios e Conexões Abertas em Dança de Helenita Sá Earp interligadas a reflexões advindas da filosofia, mística comparada, Educação Somática, Yoga e Mindfulness que compuseram e alicerçaram polifonicamente nossas percursos dançantes e nos possibilitaram a criação da videoarte “Grafias Moventes”.

1.Cuidado de Si como caminho

No final de seu “Torso Arcaico de Apolo”, Rilke nos diz “Força é mudares de vida”. Mas do nunca, nas situações limítrofes do ser humano – doença e possibilidade da morte – batendo a nossa porta com a pandemia do novo Coronavírus, esta frase cintila com jorro profético. Fomos lançados a imergir na busca daquele lugar forte em nós para mudar de vida e ir. No poema, Rilke fala “pois ali, ponto não há que te mires”, nos remetendo a ver. Ver o que? Um ponto em algum lugar espalhado pela escultura corroída, que emana e brilha em cada cintilação da pedra como um ponto de luz originário? Que mirada é esta espalhada na pedra que nos vê? Seria um brilho que nasce do encontro da luz do nosso olho com a luz que emana da pedra? Ou seria um ponto originário que brilha em tudo, deixando-se escapar da opacidade à transparência pelo olhar do poeta? Saindo da inerte pedra para a luminosidade dinâmica da vida? Talvez nunca saibamos ao certo que luz é esta que Rilke vê naquele “ali” no “Torso Arcaico de Apolo”, se a luz do sol ou a luz da sua própria alma poetante.

Boff (2010) nos fala que a natureza da luz sempre fascinou os seres humanos.

Com a descoberta que todos os sistemas biológicos emitem biofótons e que a sede desta emanação de bioluz deriva do DNA, está luz se encontra no coração íntimo da vida (...) sempre houve na humanidade essa percepção de que no ser humano há irradiação de luz. Chamavam-na de “aura”, “mana” (asiáticos), “prana” (yogis), “shi” (chineses), ”axé” (tradições afro-ameríndias), chama interior (místicos de todas as tradições).

Ferreira indica uma dupla fonte da luz, uma das estrelas outra da “alma iluminante do ser humano quando purificado e liberto das impurezas que obscurecem o seu ser”. (2008, p. 118) Aqui surge um paradoxo. Existe uma luz material e outra numênica? São duas realidades distintas ou aspectos de uma mesma realidade?
A luz sempre foi evocada como metáfora do divino. Nenhuma metáfora da divindade é mais forte do que a da luz. No Bhagavad Gita isto foi expresso da seguinte forma: “Luz de todas as luzes, além da escuridão. A meta de todo conhecimento, Ele está situado nos corações de todos”. (XIII:13–17).
Neste exame materiológico da luz, como nos lembra Frei Beto (2010) abre-se uma reconciliação profunda entre matéria e espírito. Justamente neste momento de pandemia somos chamados a exercer a nossa mais intima natureza humana, a de ser um ser de cuidado. E como artistas da cena e do corpo somos chamados a cuidar da nossa dança para que por ela possamos ser cuidados.

2. Processos de criação e cuidado em videoarte

A exploração criativa do movimento envolvia a realização de exercícios respiratórios, auto massagens, meditações, visualizações criativas e escritas automáticas como fruto de um fazer originário e essencial de Cuidado a partir da Teoria de Princípios e Conexões Abertas em Dança de Helenita Sá Earp (2019), interligadas a estudos sobre imaginação, mística comparada, Educação Somática, Yoga e Mindfulness. Nossa pesquisa coreográfica se desenvolveu através da realização de módulos experimentais centrados nos seguintes temas: a) respiração, meditação, movimento e visualização criativa; b) percepção e imaginação dos referenciais espaciais; c) trajetórias, percursos e passeios coreográficos no espaço da casa; c) objeto, casa e habitação. “Grafias Moventes” foi resultado do entrelaçamento de diferentes Grupos de Trabalho (GTs). Os temas de pesquisa em dança, fotografia, figurino, pintura, desenho, caracterização facial, por exemplo, aconteciam de modo integrados e dialogavam entre si, aprofundando suas descobertas e processos criativos em suas respectivas expertises. O GT “Fotografia e Dança”, tinha como temática principal registrar cenas do cotidiano na quarentena. Todos estes processos, culminaram na montagem da videoarte “Grafias Moventes” que foi premiada pelo Edital “RespirArte” da FUNARTE 2020. É nesta perspectiva que “Grafias Moventes" integra várias dimensões do habitar poético do corpo em movimento, num mosaico plástico, visual e sonoro.

André Meyer
UFRJ

Professor do Programa de Pós-graduação em Dança da Universidade Federal do Rio de Janeiro. E-mail: [email protected]

Nome do Co-autor

Ana Célia de Sá Earp
UFRJ
Professora do Programa de Ensino e Graduação em Dança da Universidade Federal do Rio de Janeiro. E-mail: [email protected]

BIBLIOGRAFIA:

BETO, Frei e BOFF, Leonardo. Mística & Espiritualidade. Petrópolis: Vozes, 2010.

BOFF, Leonardo. Meditação da Luz. Petrópolis: Vozes, 2010.

FERREIRA, Agripina Encarnación Alvarez. Dicionário de imagens, mitos, termos e conceitos Bachelardianos. Londrina: Eduel, 2008.

MEYER, André e EARP, Ana Célia de Sá. VIEYRA. Helenita Sá Earp: Vida e Obra. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, 2019.

YOGANANDA, Paramahansa. A Yoga do Bhagavad Gita. Los Angeles: Self Realization Fellowship, 2009.

Instituições
  • 1 Programa de Pós Graduação em Dança da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGDAn-UFRJ)
  • 2 Universidade Federal do Rio de Janeiro
Eixo Temático
  • Dança em Múltiplos Contextos Educacionais: práticas sensíveis de movimento
Palavras-chave
Dança
Cuidado
Mindfulness
PROCESSOS DE CRIAÇAO
VIDEOARTE