"BRASIL ACIMA DE TUDO, DEUS ACIMA DE TODOS": EFEITOS DE SENTIDO NO SLOGAN PRESIDENCIAL DE BOLSONARO

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Detalhes
  • Tipo de apresentação: Simpósio Temático
  • Eixo temático: ST4 - ACONTECIMENTO E ARGUMENTAÇÃO: POLÍTICAS DISCURSIVO-ARGUMENTATIVAS DO ÓDIO
  • Palavras chaves: Discurso Político; Neoliberalismo; Fundamentalismo religioso; CINISMO;
  • 1 Universidade Federal de Pelotas

"BRASIL ACIMA DE TUDO, DEUS ACIMA DE TODOS": EFEITOS DE SENTIDO NO SLOGAN PRESIDENCIAL DE BOLSONARO

Tiago Alves da Silva Lopes

Universidade Federal de Pelotas

Resumo

O presente trabalho busca realizar gestos de interpretação sobre os efeitos de sentido doslogan da campanha de Jair Bolsonaro durante as eleições presidenciais de 2018:“Brasil acima de tudo. Deus acima de todos”. Discute-se, além da não transparência dosentido (Pêcheux, 2014), o cinismo (Žižek, 1992) do discurso político, presente nautilização de “Brasil” como pressuposto de uma nação homogênea, “Deus” como únicoe universal e “todos” e “tudo” como termos cujos efeitos remetem à pós-política (Žižek,2013, p. 39), interseccionando nacionalismo e fundamentalismo religioso. Dessa forma,negam-se antagonismos e estabelece-se a perspectiva de uma simples administração dapolítica enquanto técnica. Observa-se a importância do tema em vista da ascensão degovernos e grupos de extrema-direita em vários países do mundo, fato que evocaconcepções ditas nacionalistas com amparo de um discurso fundamentalista religioso,simulando uma homogeneidade ao mesmo tempo que provoca o aumento da violênciapolítica, principalmente pela intolerância com a alteridade. A esse respeito, Dunker(2015) traz a lógica do condomínio, um certo fetiche da classe média brasileira, comoum sintoma, onde se deixam os indesejados para fora dos muros e elegem-se síndicospara fazer a regulação técnica das condições de moradia e convívio. Isso se ajusta aoneoliberalismo em conjunto com a pós-política, instaurando a vitória absoluta do sujeitosobre a comunidade. Acreditando ser livre de amarras ideológicas, vive, porém, entremuros. Considera-se também o fato, apontado por Žižek (2011), de o ethos social atualser tomado como o “fim da história”, ou seja, realiza-se uma fantasia coletiva que supõeo término do movimento histórico. Não há, então, possibilidade fora do neoliberalismo,fenômeno que esconde, de maneira cínica, suas contradições sistêmicas, normalmenteprojetando-as em ações individuais, culpabilizando supostos técnicos e aliando-se a umcrescente fundamentalismo religioso que representa um forte espaço de estabilização desentidos. O trabalho utiliza-se prioritariamente do arcabouço teórico da Análise deDiscurso de Pêcheux (2014), embora se valha de estudos de autores da filosofia e dapsicanálise como Althusser (1987), Žižek (2013) e Dunker (2015), para buscarcompreender, a partir das condições sócio-históricas da atualidade brasileira, os efeitosde sentido decorrentes do enunciado que une nacionalismo e religiosidade no campodiscursivo da política.

 

PALAVRAS-CHAVE:Pós-política;Análise de Discurso;Religião;Cinismo.

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Autor

Tiago Alves da Silva Lopes

Olá, Argus!! Ficamos muito felizes com seus comentários!! Sim, concordamos. Nos dois momentos, na ditadura e no atual governo, aparecem exaltações a esse tipo de nacionalidade (que aparece como oposição ao socialismo). Mas não chegamos a utilizar slogans da ditadura, como o "ame-o ou deixo-o", mas é uma ótima sugestão, porque também traz uma ideia de interdição dos sujeitos "outros".

Abraços!

Autor

Tiago Alves da Silva Lopes

Muito obrigado pelas considerações, Luciana!! Sim, eu vi os trabalhos dos colegas de simpósio e têm bastantes pontos em comum.

Sobre o primeiro ponto, das sinonímias entre nova/extrema-direita e do (neo)fascismo, talvez eu precise de uma reflexão maior, pois depende da concepção que pegamos sobre (neo)fascismo. Segundo Armando Boito Jr (2020), o fascismo funciona como forma política do capitalismo e como ideologia. É diferente de uma ditadura-militar (como a brasileira de 1964-1985) porque é um movimento reacionário de massas. O neofascismo brasileiro seria resultante dessa forma fascista original. Por ser um movimento de massas (de um setor de classe intermediário), não é burguês, apesar de ascender cooptado pela burguesia (e dependa dela), pode inclusive ter interesses imediatos que se choquem com os da burguesia (parece ser uma espécie de crítica errônea ao capitalismo). Uma definição interessante que parece resumir esse funcionamento político é "movimento vindo de baixo cooptado pelo alto" (BOITO JR, 2020, p. 116), ou seja, começa na insatisfação dos setores intermediários e é significado pelo interesse burguês reacionário. Então, bolsonarismo e neofascismo podem funcionar como sinonímeas; já extrema-direita ou nova direita (em relação ao neofascismo) já não sabemos se se encaixa, porque têm grupos/movimentos/setores que compactuam com os elementos associados ao bolsonarismo. Se pegarmos: eliminar o reformismo burguês (as políticas públicas petistas), anticomunismo, crítica à velha política e à corrupção, poderíamos estar falando da mídia hegemônica e do bolsonarismo ao mesmo tempo. Mas se pegarmos: politização do machismo, racismo e homofobia, podemos estar falando de setores fundamentalistas cristãos. Enfim, são bem complexas as (inter)relações desses tópicos com a nossa formação social. Há pontos de encontro do neoliberalismo, do fundamentalismo e do nacionalismo fascista (assim como há pontos de desencontro entre eles).

O segundo ponto, sobre o possível "Brasil acima de tudo Deus acima de todos", parece dialogar com essa relação complexa. Diferentemente do enunciado separado por vírgula, agora teríamos uma ideia de indissociação entre os dizeres, como se necessariamente tivéssemos que aceitar ambos ou nenhum. Pode ser interessante incluir e expandir essa reflexão sim.

Por último, a noção trabalhada de cinismo que trazemos (ERNST, 2018) analisa o funcionamento cínico como "negação da negação" da ideologia dominante. Um funcionamento perverso, onde se tem consciência das relações desiguais de exploração dessa ideologia, mas mesmo assim a reproduz. Como diz Zizek (1996, p. 313) "(...) a integridade como uma forma suprema de desonestidade, a moral como uma forma suprema de depravação, e a verdade como a forma mais eficaz da mentira". Assim, na posição de um político de mais de 30 anos de exercício, ele aparece como um não-político, como alguém de fora do sistema partidário (velha política), que defende os interesses gerais da nação e da moralidade cristã, ao mesmo tempo em que forma um movimento segregacionista e reacionário sob o fascismo e o fundamentalismo.

Desculpa a demora na resposta, mas precisamos de um certo tempo para essas elaborações. Muito obrigado pelas sugestões e apontamentos. Esperamos que nossas considerações tenham satisfeito essas questões. Esperamos continuar a conversa na sexta-feira!!

 

Luciana Nogueira

Oi, Tiago, tudo bem?

Muitíssimo obrigada pela resposta bem elaborada. Ainda não li esse texto do Boito, mas quero ler em breve. Quanto ao conceito de cinismo, bem interessante, podemos falar mais disso na sexta junto com Thales e Elisa que também trabalham com isso. Pensei aqui que talvez a referência do Löwy que o Args cita no trabalho dele pode ser uma leitura interessante para seu trabalho também. Quero ver esse trabalho publicado, muito bom! Abraços

Autor

Tiago Alves da Silva Lopes

Tudo certo!! Muito obrigado novamente, Luciana!! Vou rever o vídeo do Argus nesse tópico. Até sexta!! Abraços