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NEGACIONISMO, (RE)NEGAÇÃO E MONTAGEM PERVERSA
Thales de Medeiros Ribeiro
Universidade de São Paulo
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No es por treinta pesos, es por treinta añosPropomos uma discussão sobre a problemática do negacionismo a partir da análise de duas séries de enunciados, relativas ao contexto da ditadura civil-militar brasileira e ao da pandemia de Covid-19. Em nosso gesto de leitura, o negacionismo pode ser situado no campo do cinismo contemporâneo. De acordo com Di Nizo (2019), o cinismo é uma prática discursiva que concerne a diferentes campos, como os estudos enunciativos, a teoria dos atos de fala, a psicanálise e a análise do discurso materialista. Tal prática se caracteriza por capturar formulações de posições antagônicas para tentar nadificá-las por meio de um processo de esvaziamento dos sentidos. A primeira série analisada (ditadura) indica a emulação e o uso político de um discurso de enfretamento, processo que se aproxima enunciativamente do discurso revisionista europeu, tal como abordado por Authier-Revuz e Romeu (2004). A segunda série (pandemia) mostra um apagamento entre o indivíduo que enuncia e seu cargo institucional, como se as medidas do governo federal não pudessem ser relacionadas diretamente a ele ou a suas declarações. Em ambos os casos, nossa análise relevou não somente os marcadores de negação, mas também a regularidade de uma enunciação em primeira pessoa.
Maria Fernanda Moreira
Esclarecedor, norteador, incrível! Adorei a leitura de vocês. Lindo trabalho
Argus Romero Abreu de Morais
Parabéns, Thales e Elisa!
Concordo com a Maria Fernanda, excelente trabalho e leitura.
Curiosamente, pouco antes de ver o vídeo de vocês, li a nova pesquisa do XP/Ipespe sobre a avaliação do atual Governo Federal brasileiro, incluindo da gestão da pandemia (https://valor.globo.com/politica/noticia/2021/04/05/xpipespe-para-48-pontos-percentuais-governo-bolsonaro-ruim-ou-pssimo.ghtml).
Em uma época em que chegamos a mais de 330 mil vítimas fatais, 21% da população brasileira avaliam como "ótima ou boa" a atuação do Presidente brasileiro no combate ao coronavírus e 19% como "regular". Somados, são 40% da população brasileira.
Sem dúvida, o problema é muito amplo e complexo, mas, com base na perspectiva teórica do trabalho de vocês, haveria alguma chave de leitura para entender a eficiência argumentativa do negacionismo - histórico e sanitário - no Brasil?
Obrigado!
Thales de Medeiros Ribeiro
Muito obrigado pela acolhida no simpósio e pelo comentário, Argus! É espantosa a disseminação dos dizeres negacionistas hoje. Sua questão remete a uma longa discussão sobre a “sedução totalitária”, para empregar um termo de Contardo Calligaris. Após Ustra ter sido exaltado por Bolsonaro naquele sombrio episódio que você bem menciona em seu estudo, o livro revisionista do coronel, “A verdade sufocada: a história que a esquerda não quer que o Brasil conheça” (2006), logo figurou entre as obras de “não-ficção” (sic!) mais vendidas no país, ganhando sucessivas reedições nos anos posteriores. A eficácia argumentativa do negacionismo em nossa formação social é uma questão muito complexa e são múltiplas as chaves de leitura que permitem compreendê-la, mesmo se nos restringirmos às perspectivas teóricas aqui mobilizadas.
Apenas pontuarei alguns elementos cruciais que podem auxiliar na resposta (ainda que parcial) à sua pergunta. A posição cínico-negacionista não só encena o enfrentamento com o discurso outro, mas é usado politicamente para tentar nadificá-lo e destruí-lo. A nosso ver, foi justamente esse apontamento que aparece no artigo “O lugar do outro em um discurso de falsificação da história: a respeito de um texto que nega o genocídio dos judeus no III Reich”, de Jacqueline Authier-Revuz e Lydia Romeu. Diante de tal procedimento, elas destacam a complexidade e a eficiência das estratégias discursivas de negação do discurso outro. Cito: “Diante do radicalismo da impostura, da ‘mentira total’, substituindo ‘a exterminação real’ por uma ‘tentativa de exterminação no papel’, pensamos que o esforço desse tipo de texto não teria sido renegado por um especialista do assunto, Goebbels, que dizia: ‘Quando mais a mentira é grande, mais se acredita nela’. Mas, se a mentira é enorme, elas, as estratégias discursivas usadas para mantê-la, são complexas, tortas, e, infelizmente, sem dúvida, de uma certa eficiência.” (AUTHIER-REVUZ, ROMEU, 2004, p. 253-254). Assim como ocorre no discurso revisionista europeu, o fragmento do texto de Ustra nos apresenta a emulação e o uso político de um discurso de enfretamento. Ao lado dessa postura de combate, certos fragmentos amplamente conhecidos pelo público geral (a tortura institucionalizada e o desaparecimento forçado de dissidentes políticos, por exemplo) são evocados sob a forma da alusão. Esses fragmentos atuam como pressupostos de uma pretensa “verdade histórica” oculta e silenciada que, segundo o coronel, “os jovens desconhecem e alguns não querem relembrar”. A encenação da revelação de uma verdade desconhecida (“o outro lado da história”) talvez seja um fator fundamental que sustenta a eficácia desse discurso. De todo modo, podemos conversar melhor sobre isso amanhã.
Luciana Nogueira
Parabéns Thales e Elisa pelo brilhante trabalho! Vocês nos apresentam uma relevante análise do discurso negacionista (analisando enunciados negacionistas no contexto da ditadura e da pandemia) pensando aí o funcionamento do cinismo na contemporaneidade. Destaque para o ponto em que vocês falam que a oposição enunciativa não se dá entre nós e eles, no caso do contexto da ditadura, mas entre um “eu supostamente assediado” e um “poder anônimo e coletivo do chamado terrorismo”, para mostrar o efeito do negacionismo e o funcionamento cínico, certo?
Também achei muito acertada a escolha de vocês nas duas séries de enunciados e o apontamento das marcas de negação e de primeira pessoa: de Pazuelo para analisar o negacionismo no atual contexto da pandemia, mostrando o deslocamento cínico da questão (na entrevista coletiva – a questão do tratamento/atendimento precoce) e de Bolsonaro falando das suas possíveis reações pessoais à covid e a relação com o seu lugar institucional de presidente e suas consequências, inclusive na legislação trabalhista como vocês mostram. Nesses funcionamentos, mais do que tensionamentos e oposições entre FDs, há o deslocamento cínico da questão, como vocês bem apontam. Considerando a riqueza das análises, gostaria de ouvir/ler mais de vocês sobre esse funcionamento cínico, por que é tão preponderante? O trabalho anterior, de Tiago e Aracy Ernst pode dialogar com o de vocês para pensar o cinismo.
Por fim, vocês falam, logo no título, em “montagem perversa de falsificação da história”. Por que o significante “montagem”?
Thales de Medeiros Ribeiro
Olá, Luciana! Muito obrigado pelo aceite e pelo comentário. Agradeço também a oportunidade de dialogar com todos os outros trabalhos que compõem este simpósio. O termo montagem tem a ver com uma discussão, em psicanálise, sobre uma modalidade de negação (Verleugnung) que afeta o laço social. Contardo Calligaris prefere falar em uma “montagem perversa” (incluindo-se aí seu caráter de encenação) do que em estrutura clínica da perversão. Devido à complexidade da questão, podemos conversar melhor a respeito disso no simpósio. Abraço!
Luciana Nogueira
Obrigada pela resposta, Thales. Seguimos o debate no simpósio. Parabéns a vocês novamente! Abraço
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Thales de Medeiros Ribeiro
Agradecemos a escuta e o comentário, Maria Fernanda!
Elisa Mara do Nascimento
Agradeço muito também, Maria Fernanda!