Os tirailleurs senegaleses na Segunda Guerra Mundial: Uma análise do filme "Camp de Thiaroye" (1988), de Ousmane Sembène e Thierno Faty Sow

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  • Tipo de apresentação: Trabalho
  • Eixo temático: HUMANAS
  • Palavras chaves: História e Cinema; Cinemas Africanos; Soldados coloniais;
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Os tirailleurs senegaleses na Segunda Guerra Mundial: Uma análise do filme "Camp de Thiaroye" (1988), de Ousmane Sembène e Thierno Faty Sow

ALYSSON BRENNER NOGUEIRA PEREIRA

UNICAMP

Resumo

Durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), a França agregou milhares de africanos de toda a África Ocidental Francesa (AOF) ao seu exército, eles eram chamados de tirailleurs sénégalais, e participaram de diversas batalhas, ajudando na libertação francesa. Sofreram racismo, desprezo e não foram remunerados como prometido; além disso, muitos ficaram debilitados física ou psicologicamente. O cineasta senegalês Ousmane Sembène, conhecido como "pai do cinema africano", produziu, dentre diversas obras cinematográficas, algumas voltadas à temática desses soldados africanos, e uma delas é tomada como fonte desta pesquisa. Camp de Thiaroye (1988) conta a história do massacre de Thiaroye, no Senegal, quando 35 soldados africanos que voltaram do continente europeu após ajudar na libertação da França foram mortos pelos colonos franceses. Esta pesquisa se propõe a analisar qual o discurso fílmico presente, e como a narrativa influencia a memória desses soldados coloniais no contexto pós-colonial.

Apoio/Financiamento da Pesquisa: PIBIC/CNPq

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ALYSSON BRENNER NOGUEIRA PEREIRA

Olá, Giovanna! Muita gratidão pelo elogio! Parabenizo a sua pesquisa também!! Abraço!

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ALYSSON BRENNER NOGUEIRA PEREIRA

Olá, Matheus! Muito gentil da sua parte essa mensagem, eu agradeço o elogio. Adoro a sua pesquisa também! Abraço!

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ALYSSON BRENNER NOGUEIRA PEREIRA

Olá, Mariza! Grata pela pergunta! Adorei a comparação que você realizou sobre as masculinidades no cinema. Assim como as feminilidades, as masculinidades são complexas, dependem do meio, do tempo e por aí vai… E no cinema, elas podem ser usadas de diversas formas. Desde James Bond, pra celebrar um ideal de masculino branco, heterossexual e, com certeza, imperialista, machista, racista e a lista continua... Logo, a ideia de herói nele é bem diferente do filme analisado; em Bond, cada filme cria um problema, ele resolve, e por isso é o herói. Já nesse caso para Sembène, foi como você disse, por serem tão injustiçados pela história - não só pelo massacre, ou pelas guerras que participaram em si, mas até hoje por questões de memória. Então, eles são tornados heróis não por salvarem o mundo, como Bond, mas porque lutaram pelo que acreditaram ser verdade e, infelizmente, morreram por isso. De alguma forma, Sembène os transforma em mártires.

 

Eu adorei a sua pergunta sobre as mulheres! Foi exatamente por causa do olhar a elas que me detive as masculinidades (por mais que isso pareça contraditório). O cinema de Sembène é caracterizado por um destaque grande às mulheres, desde o seu filme mais famoso La Noire De (1966), com a protagonista feminina: Diouana. Nos seus primeiros filmes (década de 1960 e 1970) em quais os protagonistas são homens, as mulheres são extremamente o contrário deles - o masculino é caracterizado pela fraqueza, ineficácia, vilanismo; já as mulheres são caracterizadas pela força, verdade, revolução. Até nos seus últimos filmes isso fica claro, Moolaadé (2004) é um exemplo, pois denuncia a mutilação genital feminina, e a história conta sobre uma revolução feita por mulheres para proibir esse costume numa vila africana.

 

Assim, ao ler esse filme eu vi algo que não esperava: onde estão as mulheres? Elas são poucas, deixadas como figurantes, então, por isso, me deti as masculinidades. A relação deles com as mulheres, no meu ponto de vista, são bem problemáticas. Digo isso porque elas são figurantes que aparecem em alguns segundos para exprimir uma reação de surpresa, ou porque vão se relacionar sexualmente com os tirailleurs, ou porque os recebem quando eles chegam. Conhecemos um pouco mais das mulheres que são da família de Diatta, personagem principal, sua tia e sua prima (que está destinada a casar com ele, mesmo ele tendo se casado com uma branca na França), e mulheres de um bordel francês em Dakar. Elas se resumem então a servir esses homens, seja sexualmente, ou levando alimento - um caráter sexual e doméstico da mulher, e dessa mulher específica de um tempo de guerra. Uma representação injusta para quem é chamado de “avô do feminismo africano” por alguns; até porque sabemos do apagamento das mulheres na guerra, vide o livro A guerra não tem rosto de mulher (1985), da Svetlana Alexijevich. No entanto, acredito que essa construção se deva, justamente, para focar e heroicizar esses tirailleurs.

 

Deixo duas leituras que fiz para desenvolver essa parte:

JANIS, Michael. REMEMBERING SEMBÈNE: THE GRANDFATHER OF AFRICAN FEMINISM. CLA Journal, March 2008, Vol. 51, No. 3, pp. 248-264.

LINDO, Karen. Ousmane Sembene's Hall of Men: (En)Gendering Everyday Heroism. In: Research in African Literatures , Vol. 41, No. 4, Winter 2010, pp. 109-124.

 

Espero ter respondido sua questão! Abraço!

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ALYSSON BRENNER NOGUEIRA PEREIRA

Olá, Noemi! Tudo bem sim! Espero que você esteja também! Muita gratidão pela parabenização e pelos elogios, significam muito vindo de você! Estudar cinema é sem dúvida um desafio, ainda mais para quem não estuda audiovisual e não tem um grande conhecimento da linguagem e produção cinematográfica. Mas seguimos... Aprendemos um pouco de cada vez.

Sobre a continuidade: eu já iniciei a minha segunda iniciação científica, nela continuo a pesquisar o cinema de Sembène, e de certa forma, a obra fílmica analisada na minha primeira iniciação, a apresentada aqui - Camp de Thiaroye (1988). Analisarei ela em comparação com o filme Emitai (1971), que agora é a minha fonte principal. Ao invés de pensar os soldados coloniais senegaleses, focarei a leitura nos massacres coloniais em si, que não consegui focar tanto na primeira iniciação. Emitai traz um massacre que ocorreu no interior do Senegal em 1942, com o povo Diola - também organizado pelos franceses em outra disputa que tem o seu ápice no quesito econômico. Após desenvolver essa pesquisa, pretendo realizar uma monografia sobre também, mas isso ainda demora um pouco, e por enquanto é só sonho… Mas uma coisa garanto, e terminando de responder sua segunda pergunta: vou continuar estudando as masculinidades. Adorei pesquisar sobre, e os filmes do Sembène nos fornecem muito para pensar gênero, e em especial, as mulheres. Esse aspecto aparecerá na segunda iniciação científica, até porque as mulheres ganham um papel muito forte, em contraposição aos homens, que ficam em segundo plano.

 

Respondendo a sua primeira pergunta: Sembène, nesse filme, e segundo a minha leitura, vai desenvolver a ideia de que uma atrocidade como essa, se equivale a uma atrocidade praticada pelo nazismo. Trazendo a reflexão de que alguns corpos valem mais do que o outro, chocam mais quando mortos. Isso porque ocorre no mesmo tempo, a Segunda Guerra, e os campos de concentração em conjunto com o massacre de Thiaroye em 1944. O nazismo aparece muito no filme, seja por citações, por falas (lembrando que todos os tirailleurs ficaram presos no campo de concentração em Buchenwald). Sembène então usa de diversos elementos audiovisuais e estéticos para desenvolver essa ideia. No roteiro aparecem diversas citações ao nazismo e atrocidades deles, até mesmo na França. No figurino há um capacete nazista e um sobretudo (vestimenta comum no inverno europeu, e não no clima do Senegal) que é usado pelo soldado Pays (o afetado psicologicamente pela guerra e pelo nazismo). No cenário há citações fílmicas que remetem ao passado da França de colaboradora com o nazismo, e de citações que versam sobre campos de concentração. Na trilha sonora, aparece a música alemã Lili Marleen (1945) de Marlene Dietrich. Na montagem, o Efeito Kuleshov é usado pra associar o campo de Thiaroye a um medo do porvir, e a um campo de concentração nazista. E, por fim, o som é usado para marcar a iminência do perigo, logo antes do massacre há um silêncio, em contraposição, a partir do início do ataque, há gritos, correria, explosões, corpos caindo no chão, ou seja, muito barulho... 

 

Assim, ele utiliza diversos elementos cinematográficos que refletem a complexidade da fonte fílmica, que é o visual, o escrito, o som, e por aí vai.... Mas tudo para reforçar essa comparação do massacre e ato francês a uma atrocidade em que os responsáveis são os nazistas. Além de produzir uma memória africana e pessoal sobre a temática.

 

Espero ter respondido sua questão! Abraço!

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ALYSSON BRENNER NOGUEIRA PEREIRA

Olá, Ivan! Tudo ótimo! Espero que você esteja bem também!

Muita gratidão pelas palavras gentis, vindo de você significa muito!

 

Sobre a sua 1ª pergunta: Sobre as citações que aparecem no filme, não são só fílmicas, mas também as pinturas, que são 3 ao total, uma paisagem inglesa e dois retratos franceses. Para pensar essa parte, eu me inspirei na História da Arte, então pensei nos porquês essas fontes estavam em tal cenário, ou em tal parte do filme. Relacionei a história do filme, e o trecho específico que tem essa citação, com informações sobre essas obras artísticas e fílmicas. Com as pinturas, eu fiz uma análise mais superficial, pensando o significado do quadro, ou quem representava e qual sentido transmite - relacionando ao cenário que estava. E com os filmes, eu não só pensei o enredo mas também a recepção deles, e como eles se relacionariam com o filme de Sembène. Isso me permitiu pensar a relação com a censura, por exemplo, que estão nos 2 filmes citados, e no próprio filme Camp de Thiaroye. Usei o conceito de “iconotexto” utilizado por Alexandre Valim para pensar essas citações. O “iconotexto” é um recurso fílmico que geralmente aparece por meio de closes de jornais, faixas, cartazes, cartas, telegramas, retratos, fichas e músicas. Valim diz que “Essas unidades pictóricas ‘adicionais’ [...] referem-se a uma declaração omitida na narração, agindo como um personagem envolto na trama.” (p. 297).

 

Segue a referência que traz o conceito de “iconotexto”, escrita por um debatedor da história social do cinema: VALIM, Alexandre. História e cinema. In: CARDOSO, Ciro Flamarion; VAINFAS, Ronaldo. Novos domínios da História. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012, pp. 283-300.

 

Autor

ALYSSON BRENNER NOGUEIRA PEREIRA

Sobre a sua 2ª pergunta: eu não consegui tanto relacionar a masculinidade em si, ao fato de Sembène ter sido um tirailleur, porque as informações sobre sua participação na guerra são escassas. Sabemos que ele foi, mas não o ano exato; sabemos que ele resistiu à disciplina militar e por isso não foi condecorado como o resto de sua base; sabemos que ao voltar para o Senegal ele nem recebeu pagamento, entre outras informações do tipo. Além do fato de que ele foi para a guerra, provavelmente, para servir à “Mãe Pátria” francesa; assim como a ideia da “masculinidade de guerra” ter ajudado a se voluntariar - ambas propostas pelo seu biógrafo mais famoso, Samba Gadjigo. Considerando estes últimos aspectos, ele, sem dúvida, dialoga com eles na trama. Alguns tirailleurs mobilizam essa masculinidade exacerbada que celebra o fato deles terem lutado com europeus, estadunidenses, e de terem sobrevivido, ajudando a França. Há uma possível discussão sobre isso também a partir do figurino, eles chegam com uma farda emprestada pelos estadunidenses (a deles estava em condições precárias, o que mostra a desigualdade até nisso) e por isso estão super felizes. Com o passar do tempo, casos de maltrato, racismo, eles vão perdendo essa glória, o auge é quando precisam tirar essas roupas. Se sentem extremamente desrespeitados e tristes. O mesmo acontece com a relação à França, que é dicotômica com eles, ora necessita e elogia, ora o despreza (sendo os dois momentos marcados pelo racismo e desigualdade, é lógico), e eles resistem do mesmo modo a esse fato. A masculinidade é afetada por ambos.

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ALYSSON BRENNER NOGUEIRA PEREIRA

Sobre a sua 3ª pergunta: você está totalmente correto. O Diatta também é chamado de Aloyse por um oficial francês que é amigo dele, o Capitão Raymond, mas nenhum dos dois nomes está associado a uma nacionalidade. Sabemos a origem do Diatta porque ele recebe a visita de sua tia e de sua sobrinha no campo, elas o levam comida, além de conversar com ele. Elas contam que os pais de Diatta morreram em 1942, num massacre feito, também, por oficiais franceses. Inclusive, essa é a história do filme Emitai (1971), também de Sembène, e que representa outro massacre colonial durante a Segunda Guerra - ou seja, elas podem ser lidas como essa sequência. O meu intuito atual é analisá-las conjuntamente, como essa sequência, na iniciação científica que iniciei agora, e que continua a pesquisa anterior. Uma longa história para dizer que: sabemos que Diatta é senegalês. Agora os outros, não sabemos os nomes deles, e nem de onde são; e esse “codinome” é utilizado para identificá-los e mostrar as diversas nacionalidades que compunham a AOF, assim como os tirailleurs senegaleses.

 

Infelizmente eu nunca achei nada sobre o porque essa personagem é nomeada com essa palavra que significa “país”. O que eu fiz foi traçar possibilidades, penso que talvez seja uma forma de falar dos apátridas, dos que ao voltarem para o continente e não se sentem mais em casa, sem um país, sem uma nacionalidade. Como se a guerra, o nazismo, e a colonização contribuísse para esse sentimento de despatriado/apátrida - de não se reconhecer mais naquela terra. Ao mesmo tempo penso que o nome pode significar um lugar comum para todos esses soldados que tem um nome exato de país. Mas essas são hipóteses minhas, e por eu não ter argumentos tão fortes, ela ficou só nas ideias, nem escrevi sobre.

 

Gostaria de te perguntar sobre o uso do termo “anti-protagonista principal” para falar da personagem Pays. Não entendi, seria o equivalente à “antagonista”? Nunca ouvi esse termo, mas o prefixo “anti” me faz pensar numa contrariedade à Diatta, não sei se é o caso. Vejo ele mais como um coadjuvante, já que tem uma narrativa separada do Diatta, mas eles ainda se relacionam, e eles não tem nenhum conflito também.

 

Fico muito feliz que você já tenha visto o filme, é muito bom saber que suas fontes e que os cinemas africanos são vistos e citados, né? Eu agradeço muitíssimo pelos seus comentários e perguntas, espero que eu tenha conseguido te responder claramente. Qualquer coisa estou aqui!

Grande abraço!

 

Autor

ALYSSON BRENNER NOGUEIRA PEREIRA

Olá, Matheus! Tudo bem sim, espero que você também esteja! Que lindos seus elogios, muita gratidão mesmo!

 

Muito bem observado, Matheus, há questões muito ativas de memórias coletivas sobre o massacre e sobre os tirailleurs não só na data do filme, mas ainda hoje. Sua pergunta é muito interessante, pois a recepção dessa obra é um pouco complicada. O filme foi lançado em 1988, no 45º Festival Internacional de Veneza, Itália - e saiu muito bem! Ganhou o segundo maior prêmio do festival: o Grande Prêmio do Júri, e mais outros, além de ter sido indicado para o maior prêmio, o Leão de Ouro. Ele também apareceu em outros festivais depois ao longo de todo o mundo. No Senegal, infelizmente, não tenho muitos dados da recepção, isso é um problema na história dos cinemas africanos é super difícil achar dados sobre bilheteria, críticas, desses filmes no continente africano. No entanto, na França há um fato interessante: ele foi proibido por 10 anos, ou seja, seu lançamento se deu somente em 1998. Isso se deveu a representação do massacre colonial, e dessa memória que não era bem resolvida pelos franceses, pelo exército e pelo Estado, e acredito que nem hoje seja, mas sem dúvida, há um avanço em comparação a décadas atrás. Ou seja, resumindo, teve uma boa recepção no segundo maior festival de cinema do mundo mostrando que Sembène é reconhecido pelos seus pares, mesmo não sendo tão conhecido; e na França, foi censurado mostrando como a temática era uma ferida ainda aberta.

 

Espero ter respondido sua questão! Abraço!

Autor

ALYSSON BRENNER NOGUEIRA PEREIRA

Muita gratidão pelas palavras, Isabela! Seu trabalho que é fantástico! Abraço!