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Neurociências e psiquiatria: modelos de interação mente-cérebro e suas consequências.

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De todas as profissões humanas, a psiquiatria é a que está mais concernida com a relação entre a mente e o cérebro. Na prática clínica os psiquiatras precisam sempre fazer considerações sobre as experiências mentais subjetivas e aspectos objetivos da função cerebral. Este artigo tenta mostrar que, desde o surgimento do DSM-III, as gerações sucessivas de psiquiatras foram perdendo recursos conceituais para lidar com os aspectos subjetivos da experiência clínica, na medida em que o mainstream psiquiátrico passou a adotar, intuitivamente e de forma pouco refletida, uma determinada posição a respeito da relação mente-cérebro. O presente trabalho busca discutir as diferentes concepções sobre o problema mente-cérebro, que incluem: o dualismo de substância, dualismo de propriedades, identidade “type-type” e “token-token”, o funcionalismo, o eliminativismo e o dualismo explicativo e a "embodied cognition". O autor pretende discutir as consequências desses modelos conceituais de interação mente-cérebro para a prática clínica e para a relação da psiquiatria com as neurociências. Buscaremos mostrar que a adoção do modelo médico tradicional pela psiquiatria, baseado sobretudo na perspectiva categorial do DSM, tende a fazer com que os psiquiatras assumam implicitamente o modelo eliminativista da relação mente-cérebro, tendo como consequência uma prática clínica que tende a ser exclusivamente centrada na administração de psicofármacos. Pretendemos nos apoiar nos resultados das pesquisas em genética e neurociências atuais para mostrar que os dados empíricos que emergem desses campos têm indicado que, pelo contrário, os modelos mais adequados para conceber interação mente-cérebro são aqueles não-reducionistas, não-eliminativistas, que apontam para uma perspectiva clínica pluralista, na qual os psicofármacos não são em si o tratamento, mas parte de uma interação clínica mais complexa, em que a relação médico paciente e a causalidade psíquica voltam a estar no centro da cena.