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A Patologização do Luto no DSM: Uma Análise Sartreana

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O DSM nem sempre foi conhecido como a “bíblia da psiquiatria”. Sua primeira edição nasceu de uma necessidade norte-americana de gerar dados estatísticos para o censo norte-americano. O manual que, atualmente, se apresenta como um modelo hegemônico de diagnóstico de transtornos mentais, teve sua primeira edição em 1952, quando contava com pouco mais de 100 categorias diagnósticas. Na primeira edição do DSM, não havia qualquer referência ao termo “luto”, ao passo que, no DSM-5, de 2013, há mais de 130 referências. Ao longo das suas edições, o luto vem sendo citado como condição cultural, diagnóstico diferencial, critério de exclusão, condição concomitante ou agravante de transtornos mentais. A partir do DSM-3, de 1980, passou a figurar nas Condições Não Atribuíveis a Transtornos Mentais que São Foco de Atenção Clínica (Código V). Mais recentemente, no DSM-5, o luto foi retirado dos critérios de exclusão para transtornos depressivos, tornando possível o diagnóstico de depressão em enlutados e sua consequente medicalização. De fato, o luto já aparece como transtorno, na Seção III (Condições para Estudos Posteriores), sob a denominação de Transtorno do Luto Complexo e Complicado, apresentado em termos de critérios diagnósticos, prevalência, curso, fatores de risco, diagnóstico diferencial, comorbidades e prognóstico, incluindo, ainda, um especificador, “luto traumático”, numa culminação do processo gradual de patologização e de medicalização. Portanto, em pouco mais de 60 anos, a abordagem do luto pelo DSM mudou radicalmente: da ausência à patologização. Nesta apresentação oral, nos propomos a analisar tal processo de patologização do luto no DSM a partir da fenomenologia existencial de Jean-Paul Sartre, para quem a liberdade é um conceito central, entendida como o conjunto das escolhas que o sujeito faz a partir de uma dada situação ou contingência. Assim, a patologização de seu luto o leva à desresponsabilização devido ao consequente recurso à má-fé.