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A agroecologia corresponde um conjunto de práticas e princípios que busca integrar o
conhecimento técnico das práticas agrícolas sustentáveis, com os saberes oriundos de
campesinos, populações tradicionais e povos originários, articulando também uma dimensão
filosófica e ativista, uma vez que abrange as lutas de movimentos sociais de diversos territórios.
Considerando isto, neste relato, pontuamos as contribuições da universidade na “confluência”
(BISPO DOS SANTOS, 2023) desses conhecimentos e saberes a partir de sua dimensão
extensionista, sobretudo num contexto periférico em que figura a insegurança alimentar. Por tal
razão o projeto de extensão “Horta comunitária da FEBF: a construção do Comum a partir da
Agroecologia em espaços urbanos” se desenvolve no campus da Faculdade de Educação da
Baixada Fluminense (FEBF-UERJ), no município de Duque de Caxias-RJ. Batizado como
homenagem póstuma ao pensador quilombola Antônio Bispo dos Santos, o projeto é conhecido
como “Horta Agroecológica Nego Bispo”. Iniciado em 2023, o projeto está estruturado em três
eixos de ação, a saber: 1) sentipensar agroecologia, Ecologia Política e Epistemologias do Sul;
2) Soberania alimentar em espaços urbanos periféricos; 3) A produção do comum no espaço
urbano. Tais eixos articulam o ensino e a pesquisa à extensão, para atende ao principal objetivo
do projeto: promover debates acerca da relação sociedade/natureza a partir da relação rural-
urbano, repensando a questão da propriedade da terra/solo, da produção de alimentos, da
soberania (e segurança) alimentar e da autonomia dos povos subalternizados no campo e na
cidade.
Uma universidade periférica como a Faculdade de Educação da Baixada Fluminense
(FEBF) tem um papel muito importante na difusão das práticas agroecológicas, pois, o
município de Duque de Caxias é afetado pela insegurança alimentar. Em 2008, Salles-Costa et
al. realizaram um estudo no segundo distrito do município (Campos Elísios), com 1.085 famílias, e constataram que 53,8% das pessoas que ali vivem passam por insegurança alimentar,
sendo que 31,4% apresentavam insegurança alimentar leve; 16,1% apresentavam insegurança
moderada e 6,3% insegurança grave. Se nesse local tivesse hortas comunitárias já melhoraria
muito esses dados. O Plano Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional de Duque de
Caxias (2017-2020) ressalta, como estratégia de combate à insegurança alimentar, a
implementação de hortas nas escolas. Isto porque, embora a produção agrícola seja
diversificada (predominando as pequenas propriedades com concentrações de terras abaixo de
10ha), há evidências de uma "monotonia alimentar", com destaque para alimentos processados,
como macarrão, sucos/refrescos/sucos em pó e refrigerantes. O arroz, o feijão, o tomate, a
alface, a batata inglesa e a banana também foram destacados no plano municipal. Além disso, o
plano apresenta dados sobre situações de insegurança alimentar em Duque de Caxias,
associadas ao perfil de renda e dieta entre adultos e crianças (considerando feijão, frutas,
refrigerante, biscoitos doces ou recheados, doce, bala ou chocolate). Tais evidências
corroboram com Porto-Gonçalves (2018) quando aponta para a uniformização da agricultura e
erosão genética decorrente desta: 90% de nossa alimentação procede de apenas 15 espécies de
plantas e de 8 espécies de animais. A destruição da diversidade genética aumenta a
vulnerabilidade, isto é, a insegurança alimentar. Além disso, como afirma o autor, "a
monocultura de alimentos é, em si mesma, a negação de todo um legado histórico da
humanidade (...) a monocultura não visa a alimentar quem produz, e sim à mercantilização do
produto" (PORTO-GONÇALVES, 2018, p.213).
No primeiro ano do projeto Horta comunitária da FEBF, semeamos muito trabalho e
colhemos bons frutos. Desde abril de 2023, quando o projeto teve sua aprovação e início,
realizamos uma chamada de voluntários que resultou no cadastramento de 51 pessoas.
Juntamente com o LABGEOFEAPE, coordenado pela prof. Andrea Paula (UERJ-FEBF),
realizamos as análises do solo da Faculdade de Educação da Baixada Fluminense, que consiste
num aterro (não apresenta horizontes bem definidos). Após às análises, e em diálogo com a
direção e prefeitura do campus, definimos a área onde seriam implementadas a composteira,
para preparação do composto orgânico, e a área para o plantio e cultivo (horta agroecológica).
Com as áreas definidas, realizamos, no dia 19 de maio de 2023, a primeira reunião do projeto,
onde foram apresentados os objetivos e eixos que orientam a ação extensionista. Após a
primeira reunião, que contou com uma ampla participação, organizamos três oficinas, que
inspiradas na sabedoria de Nego Bispo, denominamos de "Confluência de saberes". A primeira
oficina ocorreu no dia 02 de Junho, com o tema "Agroecologia, Universidade e a Extensão",
com a participação da prof. Dr.ª Joana Simoni. No mês seguinte, realizamos a segunda oficina, realizada no dia 07 de julho, com o tema "A importância dos solos", ministrada pelo estudante
Arthur Ventura, bolsista do LABGEOFEAPE. A terceira, e última oficina realizada, ocorreu no
dia 25 de setembro, com o tema "Hortas em Universidades", com a participação do Coletivo
Colher Urbano, do curso de Geografia da UFRRJ, coordenado pela prof. Drª Roberta Arruzo.
No dia 18 de setembro, realizamos o mutirão para criação de um leira de compostagem -
fundamental para produzir o composto orgânico a ser utilizado para garantir o nutrientes
necessários para o plantio. No dia 25 de setembro, juntamente com o Coletivo Colher Urbano
(UFRRJ), abrimos o primeiro canteiro da horta comunitária, plantando feijões e milho crioulos.
Visitamos, em duas ocasiões, o sítio agroecológico da agricultora Juliana (mais conhecida como
Dona Juju), localizado no município de Magé, na Baixada Fluminense. Nessas ocasiões,
aprendemos algumas técnicas como a identificação de cultivos, manejos agroecológicos e
recebemos doações de mudas e sementes para nossa horta, uma vez que Dona Juliana é uma
guardiã de sementes crioulas.
Em seu primeiro ano de ação, o projeto Horta comunitária da FEBF foi fundamental
para articular saberes - práticos e teóricos - integrando ensino e pesquisa à extensão, através das
oficinas e atividades que aproximaram os estudantes: a) de ações extensionistas que integram a
universidade com as demandas da sociedade; b) da relação com a terra, plantio e cultivos,
possibilitando um outra olha para a relação sociedade-natureza; c) da possibilidade de aplicar os
conhecimentos produzidos na universidade. A partir de uma vinculação com os debates
introduzidos pelas disciplinas Ecologia Política, Geografia Agrária e Educação Ambiental, o
projeto proporcionou uma experiência de concretização de saberes a partir da criação de uma
composteira e da abertura do primeiro canteiro de cultivo com sementes crioulas. O impacto
social do projeto Horta Comunitária da FEBF foi percebido através da possibilidade de
fomentar uma ecologia de saberes, que se desdobra a partir da partilha de conhecimentos
populares, ancestrais e acadêmicos em torno da agroecologia. Além disso, o projeto
proporcionou atividades extra-curriculares, encontros formativos (oficinas) e atividades práticas
(compostagem e implementação do canteiro de cultivos).
Trata-se de uma iniciativa que integra práticas agroecológicas com a educação
ambiental e o ensino de Geografia, discutindo a soberania alimentar, outra relação com a
natureza e outras epistemologias. da criação de uma composteira e da abertura do primeiro
canteiro de cultivo com sementes crioulas. A partir das oficinas de formação (sobre extensão,
solos e hortas em universidades), além das ações práticas realizadas, o projeto proporcionou
processos de aprendizagem pela pesquisa-ação, aproximando saberes de diversas matrizes em
torno da agroecologia, enquanto metodologia, teoria e movimento político. Debatemos sobre manejo e uso do solo; sobre a relação entre pequenos produtores rurais e universidade; sobre
movimentos sociais do campo e universidade; sobre técnicas de cultivo e soberania alimentar -
sobretudo em contextos urbanos periféricos - que é o caso da Faculdade de Educação da
Baixada Fluminense.
A integração de saberes populares e acadêmicos, como evidenciado pela Faculdade de
Educação da Baixada Fluminense, demonstra o potencial da universidade na difusão do
conhecimento agroecológico e no engajamento com a comunidade local. Através de iniciativas
como a Horta Agroecológica Nego Bispo, que promove a colaboração com pequenos
agricultores e a partilha de saberes, é possível não apenas mitigar problemas alimentares, mas
também fortalecer os laços comunitários e fomentar a agroecologia. O projeto está em
andamento e recebeu recursos da FAPERJ para os anos de 2024 a 2026.
Referências bibliográficas:
BISPO DOS SANTOS, Antônio. A terra dá, a terra quer. São Paulo: Ubu
Editora/PISEAGRAMA, 2023.
DUQUE DE CAXIAS. Primeiro Plano de Segurança Alimentar e Nutricional de Duque de
Caxias (2017-2020), 2016.
PORTO-GONÇALVES, Carlos Walter. A globalização da natureza, a natureza da globalização.
Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2018.
SALLES-COSTA, Rosana; PEREIRA, Rosangela Alves; VASCONCELLOS, Maurício
Teixeira Leite de; VEIGA, Gloria Valeria da; MARINS, Vânia Maria Ramos de; JARDIM,
Beatriz Cordeiro; GOMES, Fábio da Silva; SICHIERI, Rosely. Associação entre fatores
socioeconômicos e insegurança alimentar: estudo de base populacional na Região
Metropolitana do Rio de Janeiro, Brasil. Revista de Nutrição, Campinas, 21, 99-109, 2008.
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