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Problematização do tema
A Gastronomia é uma ciência nova no Brasil dentro do espaço acadêmico. Por muito tempo esteve como uma subárea do turismo, mas desde 1999 se tornou uma formação de nível superior completa e ganhou espaço em universidades públicas, institutos federais e universidades privadas. Os cursos foram criados em duas modalidades: Tecnológico e Bacharelado. Enquanto os cursos tecnológicos focaram sua matriz curricular em disciplinas de gestão, empreendedorismo e desenvolvimento de produtos e tinham como objetivo a capacitação e empregabilidade no setor de alimentação e hotelaria, os cursos de bacharelado focaram na pesquisa acadêmica aprofundada desenvolvendo e analisando produtos, pesquisas sobre culturas alimentares, ingredientes, ensino, políticas e outros temas (FERRAZ, 2019). Não apenas na academia, mas, em especial programas de TV, outras manifestações culturais gastronômicas deram grande visibilidade para a área profissional da alimentação. Ao mesmo tempo em que o desenvolvimento dessa ciência acontecia, a conjuntura política deste início de século XXI no Brasil e no mundo mostrou a urgência de entender a alimentação e a Gastronomia como algo além da produção de alimentos saborosos. O Direito Humano a Alimentação Adequada (DHAA) foi incluído na constituição brasileira em 2010 e desde então muitos movimentos para a garantia desse direito ganharam força e visibilidade. Na Gastronomia esse tema ainda vem sendo construído por ativistas alimentares, pesquisadores e professores, movimentos sociais e por profissionais. O que leva a busca por entender o que é Gastronomia e como se inclui nas lutas por alimentação.
Desde o século XVIII, com os escritos de Billat-Sarain (1995) entende-se que a Gastronomia como ciência se relaciona à física e química, à história natural, ao comércio, à arte culinária, à produção agrícola, pecuária, pesca e à economia política. O que Mauss classificaria como um fato social total (CASTRO, 2016) e que, a partir deste conceito, já nos liga à uma percepção de Gastronomia como uma ação fundamental nas relações sociais e que que deve ser ferramenta para entender essas relações e ainda garantir direitos e acessos. A gigantesca influência que a indústria de alimentos, que o agronegócio e a indústria farmacêutica construíram desde a década de 60, hoje interfere fortemente nessas relações e coloca muitas pessoas em situações de não-acesso a alimentos saudáveis, que respeitem suas tradições culturais e atendam às necessidades mais básicas de nutrição e sustentabilidade. A lógica da produção de alimentos industrializados vigente, em que nota-se a prioridade em alimentos ricos em gordura, sal, açúcares e aditivos, mas que além dos fatores nutricionais, valorizam uma cultura colonizada e colonizadora sobre às tradições populares regionais como mostra o Atlas dos Sistemas Alimentares do Cone Sul (LIZARRAGA, 2024), cria um universo de instabilidade e vulnerabilidade para a classe trabalhadora como é descrito por Petrini que viveu a crise de vinhos na Itália na década setenta, o que permitiu que observasse como um segmento da alimentação em crise abalava toda a cadeia de produção direta e indireta e como agentes da gastronomia podem e devem interferir nesse processo com escolhas e valorizações de produtos que alteram essa lógica (PETRINI, 2015). Entre os mais vulneráveis estão pessoas em situação de rua, população periférica, população rural, povos indígenas e quilombolas e até a população LGBTQIAP+, em especial trans e travestis, que sofrem exclusões dos espaços de convívio, do compartilhamento, da comensalidade, e até de programas sociais municipais, estaduais e federais (FERRAZ, 2024).
Sendo assim, é preciso pensar uma Gastronomia que seja engajada nas discussões e propostas de soluções políticas, que seja ferramenta de conscientização e de libertação da lógica colonialista intensa que vive o povo brasileiro, sobretudo os mais vulneráveis. A maior dificuldade se dá pelo fato de que comer é, e sempre deve ser, um ato fisicamente prazeroso. Isso acontece mesmo quando o alimento vem ou promove um contexto injusto e opressor para quem come, para quem cozinha e para quem produz. Libertar-se desse domínio é expulsar o opressor de dentro de si e isso é um processo doloroso como conta Paulo Freire (2021) em sua revolucionária obra, a Pedagogia do Oprimido. Urge a necessidade de pensar a Gastronomia como uma ciência que tenha como missão uma construção de sociedade justa e muito bem alimentada.
Processo analítico com fontes de informações e formas de analisá-las
Para tanto é preciso entender os termos e seus significados. Gastronomia, Social e Libertação são termos com diversas interpretações e é preciso investigar cada uma. Neste ensaio, essa busca é feita com base na bibliografia disponível como livros e artigos publicados em língua portuguesa que abordam os temas de alimentação, acesso e segurança alimentar, combate à fome, conceitos sobre Gastronomia, políticas de alimentação e ainda conceitos sobre opressão, sociedade e cultura. A partir desses textos, obtidos de livros, e artigos encontrados em pesquisa aberta no Google Acadêmico e em bases de dados bibliográficas eletrônicas (Scielo, Portal de Periódicos PUCPR), é feita a análise comparativa entre eles e interpretação da possibilidade de significação de uma Gastronomia Social e Libertadora. Este ensaio também tem como objetivo reunir referências da literatura e exemplos concretos e registrados em publicações e documentos oficiais que deem base para essa argumentação. Além de ensaio, este texto é propositivo como um manifesto e pretende estabelecer um ponto de vista comum a muitos agentes da Gastronomia atuantes na pesquisa acadêmica, em movimentos sociais e políticos e no mercado de trabalho.
Considerações Finais
Gastronomia é e pode ser ainda mais uma ciência social. Mais do que isso, uma ciência e uma prática libertadora. Os verbos plantar e colher, cozinhar e comer, compartilhar, estão presentes no cotidiano de todas as pessoas (CONTERAS; GRACIA, 2011). Isso mostra a importância de promover autonomia e soberania nas escolhas alimentares para todas as pessoas. O espaço acadêmico e de ensino e aprendizagem em todos os níveis pode ser um espaço potente de elaboração desses conceitos e de contextualização do conteúdo com as vivências dos educandos. Uma ciência chamada Gastronomia Social e Libertadora aborda temas como segurança alimentar, combate à fome e a desigualdades, promoção de alimentação saudável e nutrição, práticas trabalhistas rurais e urbanas justas e seguras, ecologia e sustentabilidade, solidariedade e saúde. Um universo amplo de atuação política e profissional. Que esse seja o rumo que a ciência da Gastronomia esteja seguindo, já que é nas escolhas alimentares nossa maior fonte de poder sobre si mesmo, de entendimento do mundo ao nosso redor e do convívio e conexão com outras pessoas e suas redes. Que além de libertadora seja uma gastronomia feminista e, como convoca Lélia Gonzales (1988), afrolatinoamericana. Que seja saudável, boa, limpa e justa como promove o movimento Slow Food (PETRINI, 2021). Que seja solidária como mostraram possíveis as cozinhas solidárias do MTST (de SORDI, 2023). Que seja social e libertadora.
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