Anais do Encontro Nacional de Pesquisa em Segurança Alimentar e Nutricional
Anais do VI Encontro Nacional de Pesquisa em Segurança Alimentar e Nutricional

Autoras: Mayara Monique Pires Soares (Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri/UFVJM; [email protected]); Nadja Maria Gomes Murta (Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri/UFVJM; nadja.murta @ufvjm.edu.br).

Apresentação

A Semana Nacional de Museus (SNM) é um evento promovido anualmente pelo Conselho Internacional de Museus (ICOM) vinculado ao Instituto Brasileiro de Museus (Ibram) e ao Ministério da Cultura (Minc) que mobiliza os museus brasileiros a se inspirarem para a programação dos eventos, a partir da temática escolhida. A 22ª edição da Semana Nacional de Museus aconteceu entre os dias 13 e 19 de maio e teve como tema "Museus, educação e pesquisa". A programação incluiu atividades presenciais e online como exposições, visitas guiadas, palestras, seminários, mesas-redondas, rodas de conversa, lançamentos, oficinas, saraus, performances e apresentações musicais e teatrais, com a participação de mais de 1.080 museus e instituições culturais e educativas em todo o Brasil (Brasil, 2024).

A 22ª Semana Nacional de Museus, buscou reforçar a importância da democratização do conhecimento cultural, as colaborações interdisciplinares entre museus e instituições educacionais e os projetos conjuntos que contribuem para a compreensão mais aprofundada e ativa de temas relevantes para a sociedade. A ideia foi promover a participação social e repensar a educação, imaginando um futuro em que a partilha de conhecimentos transcenda as barreiras (Museu do Diamante, 2024). 

Nesse sentido, o Museu do Diamante, localizado no município de Diamantina/MG, propôs reconhecer e valorizar a riqueza das tradições, da ancestralidade e das relações sociais e culturais que se vinculam ao ato de se alimentar. Para tal, foi criada uma comissão composta por membros do Museu do Diamante, Pró-reitoria de Extensão e Cultura/Proexc da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri/UFVJM e Circuito Banco do Nordeste Cultural, sendo proposta duas ações - uma voltada ao público em geral e uma à discentes do ensino fundamental denominada: “Jornada Escolar: Sabores e Saberes”, que teve como foco a valorização do bolo de arroz (patrimônio imaterial do município) e dos alimentos da sociobiodiversidade presentes na região. 

Em 2000 foi criado o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial (Decreto Nº 3.551), a fim de preservar a cultura imaterial a qual são expressas pelo idioma, gírias e variações linguísticas, religião, festas populares, festas religiosas, dança, música, lendas e crenças populares, ofícios, saberes, culinária etc. (Brasil, 2000).

De acordo com Silva (2021), no estado de Minas Gerais existiam cerca de 103 municípios que possuíam alimentos e/ou preparações patrimonializados. Em Diamantina, no ano de 2014 o bolo de arroz foi reconhecido como patrimônio cultural imaterial, devido a sua presença secular na Festa do Divino Espírito Santo e na Festa de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos. Nas últimas décadas ele é distribuído após a alvorada, nos dias em que ocorrem as procissões das festas (Diamantina, 2019).

Entende-se por alimentos da sociobiodiversidade aqueles advindos da inter-relação entre a diversidade biológica presente nos biomas brasileiros e a diversidade de sistemas socioculturais dos povos e comunidades tradicionais e de agricultores familiares (Brasil, 2021).  

Objetivo

Relatar a experiência da “Jornada Escolar: Sabores e Saberes” desenvolvida com discentes do ensino fundamental.

Descrição da experiência 

A ação foi desenvolvida no Museu do Diamante nos dias 13 e 15 de maio de 2024 por discentes do curso de nutrição matriculados na disciplina “antropologia da alimentação”, uma aluna do Programa de Pós-graduação em Estudos Rurais/PPGER, uma docente dos referidos cursos da UFVJM e duas cozinheiras que atuam em movimentos culturais.

No dia 13/05/2024 participaram 70 crianças matriculadas do 3º ao 5º ano do ensino fundamental (9, 10 e 11 anos) e três educadoras da Escola Municipal Professora Júlia Kubitschek de Oliveira. Houve uma explicação sobre o que são alimentos da sociobiodiversidade e quais são os mais habituais dentro do contexto regional, buscando a intimidade e familiaridade dos alimentos presentes no cotidiano das crianças. Foi também apresentado um conto de origem indígena sobre o surgimento da mandioca. Após a explanação foram distribuídos lápis de cor e um folheto contendo diversos alimentos e solicitado que eles colorissem apenas os pertencentes à sociobiodiversidade.

Logo após a atividade de colorir, os estudantes foram divididos em duas turmas para uma visita ao quintal do museu onde há um pomar e uma horta. As crianças foram estimuladas pelos discentes da UFVJM a identificarem aqueles pertencentes à sociobiodiversidade (araçá, goiaba, jabuticaba, mandioca, maracujá, pitanga e taioba) e aqueles oriundos de outros países ou presentes no país antes do período pré-colombiano (abacate, banana, cebolinha, couve, laranja, limão e mexerica). 

Posteriormente, uma das cozinheiras apresentou o polvilho como um derivado da mandioca e foi realizado uma prática culinária onde algumas crianças ajudaram na confecção do biscoito de polvilho colocando a “mão na massa”. 

Por fim, foi distribuído a cada criança um lanche com preparações culinárias contendo alguns dos alimentos mencionados e o biscoito de polvilho, com a intenção de reforçar o aprendizado.

No dia 15/05/2024, o encontro foi realizado com 26 estudantes da Escola Profissional Irmã Luiza/EPIL (apenas meninos) com idade de 8 a 13 anos e duas educadoras da instituição. Também houve a explicação do que são alimentos da sociobiodiversidade. Após a explanação os alunos foram divididos em grupos e convidados a realizarem uma competição no qual se perguntou aos grupos se determinado alimento pertencia ou não à sociobiodiversidade. Ao final ganhou o grupo que obteve o maior número de acertos. Terminada essa atividade foi distribuído um folder e feito a leitura do mesmo o qual continha a história dos modos de fazer do bolo de arroz, quando era vendido e ofertado e os motivos pelos quais ele é considerado patrimônio imaterial de Diamantina. Sendo realizada perguntas aos alunos se o conheciam, se era presente em suas casas etc.

Após, foi realizada a visita ao quintal do museu com o mesmo procedimento descrito no dia 13/05/2024, havendo também uma prática culinária e distribuição de um lanche contendo o bolo de arroz e outras preparações com alimentos da sociobiodiversidade.

Discussão

Durante os encontros houve intensa interação entre os atores envolvidos. Há de se destacar a surpresa das crianças e adolescentes ao saberem que a maioria das frutas que consumiam eram oriundas de outros países e perguntavam constantemente se determinado alimento era nosso ou não. 

Foi possível perceber que os alunos pertencentes a EPIL (alunos residentes na periferia de Diamantina), reconheciam todos os alimentos encontrados no quintal. Fato que não ocorreu com os alunos pertencentes a outra escola. Uma das explicações para tal fato pode ser a maior presença de quintais urbanos mais comum em áreas distantes do centro histórico do município.

A presença e a participação efetiva das cozinheiras (palestras e práticas culinárias) foi, ao nosso entender, um dos pontos chaves da interação entre os saberes. Notadamente elas se sentiam orgulhosas de estarem transmitindo os seus saberes aos alunos presentes nas atividades.

Outro fato que chamou a atenção é que muitos alunos nunca tinham entrado no museu. Como as atividades estavam sendo realizadas no pátio e no quintal, eles solicitaram uma visita nos espaços internos, o que foi prontamente atendido.

A valorização e preservação dos alimentos da sociobiodiversidade, além da manutenção da cultura alimentar local, vai ao encontro das políticas de enfrentamento das mudanças climáticas e da soberania e segurança alimentar. Investir em ações de Educação Alimentar e Nutricional com foco nos alimentos da sociobiodiversidade e patrimônio imaterial podem proporcionar mudanças no olhar das crianças e adolescentes, despertando-as para a preservação dos nossos biomas constantemente ameaçados pelo agronegócio.  

 Considerações Finais

Pelo exposto, pode-se perceber que as atividades desenvolvidas pelo Museu do Diamante durante a 22ª Semana Nacional de Museus alcançaram os objetivos propostos pois ocorreu um diálogo interinstitucional e interdisciplinar contando com a participação da comunidade escolar. Esta ação de extensão foi bem avaliada entre os membros da comissão organizadora havendo a sugestão de que novas ações como esta ocorram no museu.

Referência bibliográfica

BRASIL. Ministério da Cultura, Instituto Brasileiro de Museus - Ibram. O guia da programação da 22ª semana de museus já está disponível. Brasília, 2024. Disponível em: https://www.gov.br/museus/pt-br/assuntos/noticias/o-guia-da-programacao-da-22a-semana-nacional-de-museus-ja-esta-disponivel. Acesso em: 27 jun 2024.

BRASIL. Decreto no. 3.551, de 4 de agosto de 2000. Institui o registro de bens culturais de natureza imaterial que constituem o patrimônio cultural brasileiro, cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 4 de agosto de 2000. Disponível em: http:www.Iphan.gov.br/legislac/decreto3551.html. Acesso: 27 jun 2024.

BRASIL. Portaria Interministerial no 10, de 21 de julho de 2021. Institui a lista de espécies nativas da sociobiodiversidade de valor alimentício, para fins de comercialização  in natura ou de seus produtos derivados. Diário Oficial  da  União,  Brasília,  DF.  22  de  julho  de  2021.  Disponível  em: https://in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-interministerial-mapa/mma-n-10-…. Acesso em: 27 jun 2024.

DIAMANTINA. Diretoria Patrimônio Cultural de Diamantina. Modo de fazer do bolo de arroz de Diamantina, 2019. Disponível em: https://coordenadoriapatrimoniodtna. blogspot.com/ 2019/04/modo-de-fazer-do-bolo-de-arroz-de.html. Acesso em: 27 de jun 2024.

MUSEU DO DIAMANTE. Instituto Brasileiro de Museus. Jornada escolar: sabores e saberes. Diamantina, 2024. Disponível em: https://museudodiamante.museus.gov.br/agenda/jornada-escolar-sabores-e-saberes/ . Acesso em: 27 de jun 2024.

SILVA, I.A. A Patrimonialização Alimentar em Minas Gerais: da memória à política pública. In: XIV Encontro Nacional de Pós-graduação e pesquisa em Geografia, 2021, online. Anais eletrônicos  [...].Disponível em:  https://editorarealize.com.br/edicao/anais-do-xiv-enanpege/pesquisa?autor=Inacio+Andrade+Silva&titulo=&modalidade=&at= Acesso em: 27 jun 2024.

Palavras-chave: Patrimônio; Alimento; Cultura.

Fonte de financiamento/apoio: Banco do Nordeste, Museu do Diamante e Proexc/UFVJM.

Conflito de interesses: Não há conflito de interesse a declarar.