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Ideais de modernidade no cinema brasileiro de ficção científica (2003-2013)

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Muitas foram as alternâncias de projetos políticos implementados pelos grupos que detiveram o controle institucional da nação nesses pouco mais de 500 anos desde o início da colonização portuguesa, porém, algo resiste há séculos como um mantra nacional: a ideia de um país predestinado em ser a nação do futuro. A partir da década de 1950, com as políticas de industrialização dos governos federais de Vargas e Kubitscheck, esse pensamento ganhou impulso, tendo atingindo seu auge no século XX, durante o período do “Milagre Brasileiro” na ditadura militar, para cair no ostracismo nas décadas de 1980 e 1990. No entanto, nos primeiros anos de governo petista, a melhora em indicadores econômicos e sociais, a presença marcante do Brasil em grandes eventos midiáticos e no cenário político internacional, e a figura de um líder carismático, ajudaram a reforçar o imaginário mitológico e o sentimento de que o Brasil era digno de um lugar entre os grandes. De acordo com Douglas Kellner (2001), os discursos políticos, assim como toda a cultura da mídia, contribuem para estabelecer a hegemonia de certos grupos e visões por meio das representações. Sob esta perspectiva, como partes constituintes do espectro midiático, produções cinematográficas e literárias de ficção científica se tornam interessantes objetos de análise, pois, segundo o teórico dos Estudos Culturais, Fredric Jameson, este gênero possui uma maneira específica de operar, em que, no estabelecimento do desconhecido, desfamiliariza e reestrutura nossas experiências do presente, num processo de distração e deslocamento que nos faz olhar para nossas próprias condições atuais quando somos expostos a imagens do futuro, de realidades alternativas, ou até mesmo de outras formas de vida. Ademais, para a estudiosa da ficção científica latino-americana M. Elizabeth Ginway (2005), as ligações do gênero com as áreas de ciência e tecnologia o fazem o veículo ideal para a percepção do impacto cultural do processo de modernização do Brasil. A partir destas concepções e com uma base metodológica composta pela semiótica de Greimas juntamente à análise fílmica, o presente trabalho tem por objetivo identificar as representações do mito do “país do futuro” e os ideais de modernidade presentes em filmes que compõem nossa cinematografia de ficção científica produzida entre os anos de 2003 e 2013 e analisar se a sétima arte refletiu a retomada do discurso da “grande nação brasileira” propagado pelo neodesenvolvimentismo do mesmo período. Para tal, partimos de questões sobre como o Brasil é retratado nos filmes de ficção científica do período; o que tais representações de sociedade e realidades alternativas nos dizem sobre o momento político vivido pelo país entre os anos de 2003 e 2013; se elas vocalizam algum descontentamento ou aprovação a algum projeto específico; quais as particularidades da ficção científica feita no Brasil e de que forma ela dialoga com a cultura local. Como este é um trabalho da área de Estudos Culturais, não nos concentramos numa decomposição profunda de obras específicas, nos sendo mais caro realizar uma análise panorâmica do cenário para identificarmos no período histórico determinado, tendências de temas e de representações dos ideais de modernidade e futuro. Dessa forma, nosso aparato teórico é composto por autores de diversas áreas (economia, política, cultura, cinema, semiótica, entre outras) que se propõem a pensar questões do Brasil contemporâneo, como André Singer e Pablo Ortellado e também por cânones como Alfredo Bosi e Sérgio Buarque de Holanda, por exemplo; já, para as relações de tal contexto com a ficção científica, sob a ótica dos Estudos Culturais, nos referenciaremos em M. Elizabeth Ginway, Darko Suvin, Fredric Jameson e Douglas Kellner. A pesquisa em questão se justifica pela importância existente, para a autonomia crítica da população, em elucidar estratégias midiáticas e discursivas utilizadas por certos grupos para trabalhar com representações no campo do simbólico e, assim, moldar indiretamente aspectos sociais e induzir seus participantes a ações específicas. Como resultado, esperamos revelar nas histórias que compõem o corpus, sentimentos e opiniões acerca do projeto ao qual o país foi exposto ao longo dos anos que fazem parte do recorte de seleção das obras.