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Entre redes e percursos: (des)orientações da pesquisa em Linguística Aplicada

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O objetivo principal deste texto é discutir de que maneira(s) a pesquisa em Linguística Aplicada, em sua maioria fundamentada no viés transdisciplinar (Cavalcanti, 2013), possibilita discussões acerca de uma quebra paradigmática de lugares pré-estabelecidos do sujeito-pesquisador e do sujeito-pesquisado. Dessa maneira, o recorte apresentado neste relato de experiência diz respeito à abertura de dados de um projeto de mestrado do Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada (Unicamp), no qual intento (des)orientar panoramas positivistas que destacam a neutralidade e a inseparabilidade naturalizante para a constituição purista dos dados. De outra maneira, na perspectiva teórico-metodológica a qual me filio, indica-se a necessidade de transgredir espaços e posições fixas com o propósito de “compreender a vida social e outras alternativas sociais” (Moita Lopes: 2006: 104), criando espaços de (des)aprendizagens (Fabrício, 2006: 45). A fim de promover um pontapé inicial para essa proposta, criei um blog nomeado Entre redes e percursos, o qual se responsabiliza por divulgar dados que fazem parte de uma etnografia virtual realizada em um grupo aberto de um site de rede social (Ellison et al., 2007). Este blog tem dois objetivos principais. O primeiro deles é concretizar uma proposta de pesquisa baseada na construção dialógica do conhecimento (Bakhtin, 2014). O segundo, por sua vez, é tornar-se um repositório de livre-acesso aos diários de campo da etnografia que é realizada no grupo do Facebook Ensinar português como segunda língua. Ainda que a pesquisa não dependa necessariamente do engajamento dos participantes do grupo em interações verbais ou não-verbais, trata-se de uma proposta que pretende dialogar com a disponibilização pública dos dados da pesquisa, na contramão do isolamento de tais participantes, oferecendo um espaço para discutir a ética no tratamento analítico de dados em Ciências Humanas, na(s) pesquisa(s) em Linguística Aplicada e (ou) da investigação científica como um todo. Assim, na tradição dos estudos antropológicos de metodologia etnográfica, discutia-se de forma muito abrangente qual seria o local do “pesquisador” no campo; ou campo aplicado (Signorini, 1998), quando tratamos da investigação em Linguística Aplicada. Tal discussão ganha novas tonalidades quando este percurso etnográfico passa a ingressar em redes virtuais (Hine, 2000). Portanto, novas constatações e possibilidades permitiram que olhássemos para tal metodologia não como um método a priori, como salienta Mariza Peirano (2014). Na rede, este percurso tende a ser refletido por um continuum, o qual posicionará o pesquisador de uma esfera mais lurker a um ponto mais insider (Polivanov, 2013: 64). Toda imersão é participante, mas esta investigação pretende estimular uma interação dialógica junto aos seus participantes. Iniciou-se através de uma observação menos participativa e teve, ao longo do período de realização (outubro/2017-março/2018), a disponibilização dos dados de pesquisa aos usuários da comunidade para que estes, se interessados, pudessem comentar os dados etnografados pelo pesquisador, a fim de criar um ambiente no qual os sentidos e os sujeitos possam ser construídos em interações de responsabilidade ativa (Bakhtin, 2014). Para confrontar questões que homogeinizam comunidades online em torno de uma cultura única ou que pretendem fixar práticas sociais sob o aparato do determinismo tecnológico, me posicionarei em favor de uma visão que destaque os processos de tensão na construção de sentidos. Assim, na tentativa de proporcionar meios de inserir a proposta enunciativo-discursiva para além dos pressupostos teóricos teremos, na exposição dos dados aos participantes, modos de reformulação do percurso etnográfico que viabilizem um ethos discursivo menos hierárquico no modelo “pesquisador” → “pesquisado”. Desse modo, reiteramos as constatações que a pesquisa baseada na “etnografia pode (...) ser usada para desenvolver um sentido rico dos significados da tecnologia e das culturas que a possibilitam e são possibilitadas por ela” (Hine, 2000). Para tanto, é importante destacar/debater o status “participativo” na etnografia virtual. Ainda que alguns trabalhos considerem a pesquisa etnográfica virtual como um modo alternativo ao modus operandi tradicional da epistemologia científica, na relação estabelecida com a tradição etnográfica, prefiro não tratá-la desta maneira, dado que a visão alternativa poderia desvalorizar este formato. Portanto, podemos compreender que as interações online são um retrato da cultura atual. Dito isso, concluímos que a etnografia contemporânea potencializa o seu campo de atuação quando dispõe de meios digitais eficientes na aproximação entre o pesquisador e os participantes da pesquisa, resultados de uma mudança tecnológica constante. De fato, o mundo virtual introduz novas modalidades de interação, novos atores (sociais e tecnológicos) e novas configurações. O blog, por sua vez, tenta sustentar tais posicionamentos teórico-metodológicos em torno da (des)orientação de uma tradição científica. Este direcionamento é, necessariamente, (in)disciplinar (Moita Lopes, 2006).