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O discurso de ódio ao nordestino manifestado em redes sociais nas eleições de 2014

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Este trabalho tem o objetivo de analisar as regularidades dos enunciados dirigidos aos nordestinos nas redes sociais, especialmente Twitter, na tentativa de ver como a língua está mobilizando certos funcionamentos e como se dá esta circulação. Para tanto, a proposta é estudar os efeitos de sentido dos enunciados no período eleitoral de 2014 e compreender o funcionamento do pré-construído (PÊCHEUX, 1995) sobre esses efeitos. Sob a ótica da Análise do Discurso (AD), a pergunta que se formula é: como se estabiliza e quais os modos de funcionamento deste discurso? Para a compreensão desta discursividade que se materializou nas redes com enunciados de ódio, a fundamentação teórica metodológica utilizada será a da AD de linha francesa, principalmente nos trabalhos de Michel Pêcheux, Eni Pulcinelli Orlandi e Cristiane Dias. A partir de um recorte temporal de postagens - e seus respectivos comentários - com enunciados que contenham as palavras “Nordeste” e “nordestino”, no ano de 2014, serão analisadas as relações com o contexto histórico, social e ideológico presentes na produção do discurso, considerando a língua, os sujeitos e os sentidos, em suas formas incompletas, como define a própria AD. Entre as noções fundamentais a serem avaliadas estão: discurso, circulação, memória discursiva, discurso fundador, discurso digital, ideologia, sentido, interpretação, e outras. Este trabalho é, antes de tudo, uma forma de resistência à naturalização de extermínio, diante de enunciados que sugerem a morte e o extermínio dos nordestinos. As formações ideológicas e imaginárias que constituem este discurso da naturalização do extermínio se inserem na ordem socioeconômica do obstáculo ao desenvolvimento, tal como negros, índios e judeus em outros momentos da história mundial. Para efeito de demonstração, seleciono aqui dois enunciados do Twitter: 1) Em 25/10/2014, do Rio de Janeiro, por Oliveira Mateus (DILMA SAPATÃO): “Esses nordestino fdp tem q morrer na seca mermo, povo escroto, mamando na teta do governo, td ignorante fdp” (ip. lit.); 2) Em 31/10/2014, por Patrícia Marmentini: “nordestinos, queridos, façam um favor para o pais, MORRAM” (ip. lit.). O discurso de ódio aos nordestinos, manifestado às vésperas ou imediatamente após o resultado do primeiro turno das eleições presidenciais de 2014 (com a definição da disputa entre Dilma Rousseff, do Partido dos Trabalhadores - PT, e Aécio Neves, do Partido da Social Democracia Brasileira – PSDB), portanto, ficou materializado nas redes sociais em formulações que evidenciam um domínio de memória comum, constituindo assim uma posição-sujeito definida. Na compreensão das formas históricas de assujeitamento na sociedade atual (DIAS, 2018), Cristiane Dias afirma em seu mais recente trabalho, Análise do Discurso Digital: Sujeito, Espaço, Memória e Arquivo (Campinas: Pontes, 2018), que o digital vem produzindo transformações na discursividade do mundo e como tem produzido “um desdobramento em noções de memória e autoria, a própria linguagem, mas também sujeito e espaço”. Tal como a metaforização é marca forte dos enunciados, é também pelo equívoco que os sentidos funcionam (DIAS, 2018). Ainda como afirma Dias, “é preciso compreender a exterioridade constitutiva do discurso digital, as relações e os meios de produção capitalista, os processos da constituição de sentidos e suas condições de produção, mas também a formulação e a circulação desse discurso”. Processos estes de constituição de sentidos sobre o Nordeste e o nordestino que são invenções de determinadas relações de poder e do saber (ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2011). “O discurso da estereotipia é um discurso assertivo, repetitivo, é uma fala arrogante, uma linguagem que leva à estabilidade acrítica, é fruto de uma voz segura e autossuficiente que se arroga o direito de dizer o que é o outro em poucas palavras”, traça Durval Muniz de Albuquerque Júnior em A invenção do Nordeste e outras artes (São Paulo: Cortez, 2011). O autor resume o seu trabalho com a seguinte definição: “O Nordeste é uma produção imagético-discursiva, gestada historicamente”.