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Mulheres camponesas e seus quintais agroecológicos: diálogo de saberes em defesa da vida Mulheres camponesas e seus quintais agroecológicos: diálogo de saberes em defesa da vida Mulheres camponesas e seus quintais agroecológicos: diálogo de saberes em defesa da vida Mulheres camponesas e seus quintais agroecológicos: diálogo de saberes em defesa da vida

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Com foco na experiência do fortalecimento dos quintais produtivos agroecológicos, a pesquisa reflete sobre as práticas de produção e diálogo de saberes no Movimento de Mulheres Camponesas de Santa Catarina (MMC/SC). Com metodologias de base qualitativa, a pesquisa de campo consistiu em entrevistas em profundidade com dirigentes do Movimento, observação participante em atividades junto à estadual de Santa Catarina e à articulação nacional (MMC Brasil), além de pesquisa documental (materiais produzidos pelo próprio Movimento, como revistas, folhetos, jornais, cartilhas etc.) e revisão bibliográfica. Com 35 anos de história, propostas e práticas emancipatórias, o MMC/SC traz reivindicações vinculadas tanto ao campo – direito e acesso à terra pela reforma agrária, a denúncia dos organismos geneticamente modificados (transgênicos), o resgate e a multiplicação de sementes crioulas, a soberania alimentar dos povos, a preservação da biodiversidade – como pautas historicamente trazidas pelo movimento feminista, como o fim da divisão sexual do trabalho, além do reconhecimento e valoração dos conhecimentos, do trabalho e renda gerada pelas mulheres. Como eixo central, o Movimento defende a libertação das mulheres de qualquer tipo de opressão e discriminação, o que se concretiza nas lutas, na formação, na organização, e na implementação de experiências de resistência popular, nas quais as mulheres tenham autonomia e sejam protagonistas de sua história. Entre essas experiências, destacamos os quintais produtivos, defendidos pelo MMC/SC como uma prática de produção diversificada e articulada ao projeto de agricultura camponesa, de base agroecológica e feminista, e que se concretiza em um pedaço de terra, normalmente próximo à casa, coordenado pela mulher, e que congrega horta, horto medicinal, jardins, estrutura para criação e reprodução de animais de pequeno porte, sistemas agroflorestais, cisterna para captação de água da chuva, processamento artesanal de derivados de leite, conservas, doces, sucos, confecção de artesanatos etc. Trata-se de um espaço de estudo e conhecimentos, pois faz-se necessário entender o solo, as plantas, saber a época certa de plantar, acompanhar o desenvolvimento, a época de colher, bem como armazenar. Refletir sobre esses conhecimentos historicamente construídos pelas mulheres camponesas marcou o encontro dessa pesquisa com autoras(es) do campo das epistemologias feministas e do Sul (SHIVA, 1995, 2002; HARAWAY, 1995; HARDING, 1998; SARDENBERG, 2002; TAIT, 2014; GASPARETO, 2017; SANTOS, 2007). Apesar da invisibilidade, foi graças, sobretudo, a resistência das mulheres do campo, das águas e das florestas que foram preservadas toda uma biodiversidade de plantas e de raças crioulas de animais, além de conhecimentos sobre produção de alimentos saudáveis e de uso de plantas medicinais, fazendo com que esse patrimônio não se perdesse com o avanço do capitalismo no campo. Reflexão essa que vai ao encontro das propostas de Boaventura de Sousa Santos (2009) por uma “epistemologia do Sul” que supere a soberania epistêmica da ciência moderna e sua lógica dicotômica e excludente, e da valorização dos “conhecimentos situados” de Donna Haraway (1995), que reivindica a ciência como uma construção social e histórica, contingente e localizada, em oposição aos saberes universais. Na visão de Sousa (2009), essa superação seria possível no horizonte de uma “ecologia de saberes”, que parte do reconhecimento da diversidade epistemológica do mundo, promovendo o diálogo entre os diversos saberes. Haraway (1995) defende que é preciso buscar a perspectiva desses pontos de vista que nunca podem ser conhecidos de antemão, e “que prometam alguma coisa extraordinária, isto é, conhecimento potente para a construção de mundos menos organizados por eixos de dominação. Olhar essas experiências coletivas contemporâneas do Sul nas suas potencialidades, como a do Movimento de Mulheres Camponesas (MMC), portanto, pode nos ajudar a ampliar as rotas do futuro (SOUSA, 2009).