85777

Mulher do Fim do Mundo – A constituição do sujeito feminino em Elza Soares

Favoritar este trabalho

O presente trabalho pretende traçar um paralelo entre a evolução expressiva, sonora e político-social do canto de Elza Soares - enquanto veículo enunciativo do discurso da mulher brasileira - e a reverberação ou silenciamento do sujeito feminino social, em sua dinâmica discursiva, através da música popular no País. Para tanto, pretende-se lançar um olhar para o período compreendido entre os programas de calouros da rádio da Tupi às ferramentas de difusão atuais - analisando este salto evolutivo midiático, do rádio à internet – em busca da investigação de mecanismos de constituição do sujeito feminino mediante enunciações cantadas. Desde sua aparição no programa de Ary Barroso, em 1953, e a célebre frase "Eu venho do planeta fome" ao lançamento de seu último disco, A mulher do fim do Mundo, Elza personifica um canto repleto de significância, que extrapola e ao mesmo tempo dialoga com a técnica adotada e, sobretudo, intenciona a afirmação de um sujeito feminino na música brasileira, sendo ela um ícone para diferentes gerações. O que se objetiva é avaliar que há neste lugar de destaque mais do que a apreciação pelo caráter estético de seu canto, o que ocorre é a personificação de um discurso, materializado por uma voz capaz de promover identidade. Do morro da Moça Bonita ao título de “Voz do Milênio”, concedido pela BBC, o trabalho investiga em que momentos o canto de Elza ratifica ou rompe padrões discursivos sociais reservados à mulher brasileira e à mulher negra, da década de 50 aos dias atuais. Intenciona-se pesquisar a construção e materialidade da voz cantada em Elza Soares evocando também aspectos singulares do lugar de sujeito da mulher negra no Brasil. Assim, o trabalho intenta investigar como Elza reflete, em sua história e no poder enunciativo de sua voz, aspectos que evidenciam a identidade do provo brasileiro e, em especial, o discurso das minorias, de mulheres, negros, LGBTs e aqueles que, de alguma forma, veem emergir de seu “canto-grito”, o lugar de fala diante da opressão. Objetiva-se compreender a voz cantada como veículo de materialização de um discurso feminino silenciado, cuja enunciação fez-se possível através do canto. Para validar esta pesquisa, propõe-se a leitura de pesquisadores e especialistas no Feminismo Negro, na Análise de Discurso e no contexto histórico vivido pelo Brasil da década de 50 à contemporaneidade, dando especial atenção às reverberações da ditadura, além de cientistas da comunicação que tragam estudos sobre a construção de novas ferramentas de comunicação, que se correlacionem em aproximação ou afastamento da narrativa jornalística. São as principais linhas desta pesquisa: Voz, Feminismo Negro, Enunciação e Processos de Subjetivação. Assim pretende-se analisar a significância dos discursos presentes em tudo que, em Elza, fala: voz única, repertório, imagem, história, ativismo e resistência. Com isso objetiva-se mostrar também que à medida em que sua presença se firma na sociedade é possível concluir mudanças estruturais nos modos de subjetivação do feminino ao longo da história do Brasil. Com isso, dois objetivos principais são propostos: a) Evidenciar o poder enunciativo de seu canto, que constitui a presença do sujeito feminino na canção. b) Traçar um paralelo entre a história de Elza, seu discurso político, étnico e social e o espaço reservado à mulher negra no Brasil, nos últimos 60 anos. Os referenciais teóricos que permearão a pesquisa se ancoram nos dispositivos da análise de discurso relacionados ao silêncio e aos processos de subjetivação, além de amparar-se nas teorias inerentes às epistemologias feministas e saberes subalternizados, integrando-se aos campos da comunicação e dos processos criativos e inclusivos em arte. Entre os autores pesquisados estarão Pedro de Souza e seu estudo sobre enunciações cantadas, Eni Orlandi e suas reflexões sobre o silenciamento, Angela Davis em suas análises sobre o Feminisno Negro, Gayatri Spivak e os estudos da subalternidade, além do aprofundamento de pesquisas e estudos de autores como Foucault, Collins e toda a produção de conteúdo histórico e contemporâneo que demonstre o impacto midiático de Elza Soares, da era do rádio ao advento das mídias sociais. É importante salientar que para esta pesquisa lanço mão de minha própria vivência enquanto cantora e filha de músicos, o que reflete a vivência do lugar de fala desta voz cantada, que se relaciona e, ao mesmo tempo, independe do cantor.