85778

Movimento Antivacina: a memória funcionando no/pelo (per)curso dos sentidos e dos sujeitos na sociedade e-urbana

Favoritar este trabalho

O objetivo deste trabalho é, com base no método teórico-científico da Análise de Discurso (AD) de linha francesa, produzir gestos de interpretação sobre o Movimento Antivacina a partir do acontecimento histórico da Revolta da Vacina, de 1904. O intuito é observar através das regularidades as reminiscências e reverberações de um fato antigo sobre o recente, identificando não só o quê do passado permanece, mas, também, o quê do presente se desloca e se ressignifica. Essa reflexão vai evocar alguns conceitos teóricos fundamentais como os de condições de produção (ORLANDI, 2002) e memória discursiva (PÊCHEUX, 2015; ORLANDI, 2002). Outra questão que se impõe é desenvolver proposições acerca da contemporaneidade dos movimentos sociais em rede - lugar no qual se inscreve o Movimento Antivacina - abordando suas características e configurações em uma perspectiva sociológica e discursiva (CASTELLS, 2017; DIAS, 2011). No que tange esta segunda abordagem torna-se basilar pensar a cidade enquanto meio material indissociável ao sujeito e ao corpo social, significando e sendo significada por eles/neles (ORLANDI, 2004). Ademais, o sujeito contemporâneo está imerso no espaço digital e estabelece, assim, novas formas de se relacionar com o outro e o mundo. Isso tem efeito sobre suas práticas e, consequentemente, sobre o urbano. Nesse sentido, urge pensar, também, esse novo espaço chamado e-urbano, que nasce da sobreposição do espaço digital e urbano e produz efeito sobre a cidade, o sujeito e a sociedade (DIAS, 2011). Este trabalho é um recorte da pesquisa de mestrado que está em andamento, entretanto, permitiu construir reflexões bastante elucidativas de modo que ao pensar o Movimento Antivacina a partir da Revolta da Vacina de 1904 evidenciou-se que, embora as condições de produção sejam distintas, há o retorno de uma memória discursiva de “liberdade” e “direito”, com origem em ideais positivistas e de resistência à “obrigatoriedade” (lei) da vacina. Essas marcas discursivas são observadas nos dois momentos e jogam forte na formulação e circulação dos sentidos e na própria (re)configuração do Movimento, pois ao evocar direitos fundamentais humanos - aos quais se integra a liberdade - o Movimento faz exigências morais e éticas que excedem a ordem social e se deslocam para a ordem simbólica do que é cultural. Pode-se dizer, então, de acordo com Touraine (2006) e sem que isso interfira no sentido de “movimentos sociais”, que eles ganham contornos de “movimentos culturais”. A configuração contemporânea dos movimentos sociais em rede, a qual dá forma e constitui o Movimento Antivacina, se revelou singular neste trabalho porque atua como um mecanismo no processo de produção discursiva, ao mesmo tempo em que materializa as condições de produção sob as quais ele é constituído. Isso permite entender que o Movimento Antivacina tem funcionamento semelhante - incidindo na formulação dos discursos – ao que a “Liga contra a vacina obrigatória” teve em 1904, mas também se inscreve na atualidade como a própria “Revolta” através do ativismo virtual que reverbera nas práticas sociais e nos movimentos da sociedade, sendo assim, simultaneamente, propulsor e ato encarnado. Nesse contexto, foi impossível não pensar a cidade durante esse percurso. Ela se inscreveu naturalmente nessas reflexões enquanto meio significante e significado por e nos sujeitos contemporâneos, por essas novas formas de relações de sentidos (relações sociais) - que investem os movimentos sociais em rede - e inaugura um espaço próprio de observação e análise, o e-urbano. Sujeitos que encontram no digital novas possibilidades de resistência e transbordam não “além-fronteiras”, mas em um espaço onde as fronteiras já não existem mais, pois a conectividade produz um novo modo de deslocamento, o da mobilidade rarefeita, que, segundo Dias (2016, p.159), “consiste em se mover sem sair do lugar, no fluxo das redes digitais. Estar aqui, ali e acolá, ao mesmo tempo. O corpo se desloca de um ponto para muitos, de forma instantânea [...]”. Entretanto, embora as fronteiras pelas quais transbordam os sujeitos estejam apagadas, suas práticas (atos) de resistência não deixam de se inscrever materialmente no espaço geográfico e físico das cidades, visto que a baixa taxa de cobertura vacinal pode trazer conseqüências reais graves para a saúde pública e para a sociedade.