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Invocação do totem baleia branca: transbordar a escrita acadêmica através da reativação de um texto encantado

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O que pode uma escrita que se produz no meio encantado de um ritual de invocação, buscando se entregar ao que a bruxa Deleuze reclama em seu manual de bruxaria nomeado Crítica e Clínica (1997) como uma linha de feitiçaria que foge ao sistema dominante (DELEUZE,1997)? Poderia essa escrita irromper e transbordar a margem da palavra na feitura de um feitiço-artigo para dar o corpo a um devir-animal carregado da ancestralidade de um poderoso totem literário, primeiramente invocado pela bruxa Melville em seu perturbador encantamento Moby Dick? O presente trabalho de magia ousa se expor a esses enigmas, convocando como parceira de realização científico-mágica, além das duas bruxas anteriormente mencionadas, a feiticeira Isabelle Stengers, que nos conclama a trabalhar no meio envenenado da Ciência, procurando reativar uma possibilidade de realização científica (STENGERS, 2017) livre do paradigma que dividiu o mundo entre aquilo que pode ser considerado conhecimento científico e o que passou a ser (des)considerado como crença dos outros. Durante a escrita ritual, nos entregamos ao convívio com os materiais objetos de poder computador, papel, tecido, lápis grafite, jornais, pincéis, batedores para stencil, algodão cru e tintas de base aquosa (como convém ao totem da invocação em questão) e nos envolvemos com as técnicas de pintura ritual transmitidas a nós pelas velhas bruxas aborígenes australianas especialistas no encantamento chamado dot painting, bastante eficiente na captação de imagens totêmicas. Também mergulhamos com frequência nos sons mágicos registrados no objeto de poder disco Txai, criado pela bruxa Milton Nascimento com as bruxas originárias brasileiras e seres encantados de sua convivência, como os xapiris, a pesquisadora de canto-floresta Marlui Miranda e a bruxa compositora Caetano Veloso. No momento, encontramo-nos imersos nas imagens aquáticas resultantes da primeira parte da escrita ritual, na qual a baleia branca reivindicou sua (re)existência em meio à trama de tecido e tinta, se afirmando ela própria como parceira no feitiço de sua invocação. Olhos conhecendo o devir-mar, corações arrebentando na iminência da propagação de ondas engendradas numa rabada catastrófica do peixe-totem – é provável que de golpes de cauda e mandíbulas seja feita a ruína do feitiço-artigo e o (des)encanto da sua escrita. Estamos todos, bruxas, baleia, computador e papel entregues ao risco do maremoto que colateralmente convocamos e das tempestades que podem chegar a nós no momento em que o ritual for evocado no meio envenenado anteriormente referido. Aceitando a possibilidade de aniquilamento e seguindo com ela, a tornando também material na nossa escrita, esperamos que a aventura das ciências (STENGERS, 2017) a qual ora nos damos nos torne dignos de devir bruxa nessa escrita com o totem invocado, permitindo que a baleia branca nos atravesse o corpo-texto de modo a arrebentar com a força das Ondas (WIEDEMANN, 2015) por ela produzidas todas as embarcações do gênero texto acadêmico-baleeiro que estiverem no nosso entorno, armadas com seus arpões e lanças de normas letais contra a potência da escrita acadêmico-mágica. Caso sejamos bem sucedidos e possamos assim não apenas reativar a violência da baleia totêmica, mas mergulhar com ela, provar com ela do sangue do humano despedaçado, irromper com ela a superfície da escrita e sermos lançados por ela de volta a alguma ilha isolada mais ou menos hostil, de onde possamos ser resgatados pelas palavras mágicas das nossas bruxas-parceiras, nos tornaremos mais aptos a empreender novas expedições à perigosa margem da palavra, onde é sabido pela comunidade bruxa-poética que o homem-texto se (des)encanta e se cala e os devires emergem como monstros fluidos, como sereias-cachalotes que se escrevem e se cantam no corpo de quem ousa mergulhar atrás delas.