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Exótico em discurso: sentidos de cidade no jornalismo

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A pesquisa, que se ampara nos dispositivos teórico-analíticos da Análise de Discurso, surge da questão: como o jornalismo de viagens (na constituição, formulação e circulação do des-conhecido) significa a cidade? E, nessa prática discursiva, pode o jornalismo — de outro ponto de vista, inscrito em um campo do conhecimento (PEREIRA JR., 2011; JANÉ, 2002; TRAQUINA, 2005, 2005b) como transparente ao discurso e próximo à verdade, ao fato; ao que somos críticos — escapar aos efeitos de exotismo na significação dos espaços, dos sujeitos e da cultura do “outro” pela opacidade mesma do discurso? Até que ponto o jornalismo de viagens formula textos herméticos ou deixa brechas para outros sentidos possíveis na sua textualização? Nesse discurso jornalístico, os lugares vêm já interpretados, pelo mecanismo da antecipação (ORLANDI, 2009), ou o dizer sobre eles se apresenta como um possível entre outros, possível como uma versão, como variança (ORLANDI, 1998, 2017)? Com os questionamentos, chegamos ao objetivo geral: analisar, então, como a cidade (ORLANDI, 2004) é significada nas formações discursivas do jornalismo de viagens, que permite uma “entrada ao desconhecido no conhecido” (RIVAS NIETO, 2006, p. 63, tradução nossa). Para isso, baseamo-nos em alguns funcionamentos de exotismo, que pode tanto ser compreendido como “a noção do Diferente; a percepção do diverso; a compreensão de que algo não é em si mesmo” (SEGALEN, 2017, p. 17, tradução e grifo nossos) quanto pelo silenciamento do discurso histórico para se produzir “um discurso sobre a cultura. Como efeito desse apagamento, a cultura resulta em ‘exotismo’” (ORLANDI, 2008, p. 20-21). Esta análise se justifica já que as revistas de jornalismo de viagem podem colaborar, com frequência, segundo Mariano Jané (2002, p. 190), para um discurso exótico e paradisíaco dos “outros”. A mídia, no que lhe toca, “exerce um papel fundamental nesse processo por meio da folheteria ricamente ilustrada, das propagandas televisionadas e dos anúncios impressos. Cria-se um mundo metafórico” (BARBOSA, 2001, p. 32). Para a pesquisa, a mídia impressa (em detrimento do digital, por exemplo) é escolhida porque acreditamos no poder que ela detém e nos efeitos que ela produz — apesar de o número de revistas impressas de viagem ter diminuído em uma década, segundo Caretta et. al. (2011, p. 2) — sobre o público e sobre uma fatia de anunciantes. Tocando o corpus, ele ganha materialidade nas revistas “Qual Viagem” (Editora Qual), “Viagem e Turismo” (Editora Abril) e “Viaje Mais” (Editora Europa), limitando-se a uma reportagem de capa por mês em 2017, sendo a ordem escolhida por não haver repetição de reportagens nas três publicações. Ao todo, analisamos reportagens de 14 edições de revistas de viagem. Assim, “nada pode ser pensado sem a cidade como pano de fundo” (ORLANDI, 2004, p. 11), pois “no território urbano, o corpo dos sujeitos e o corpo da cidade formam um, estando o corpo do sujeito atado ao corpo da cidade, de tal modo que o destino de um não se separa do destino do outro” (ORLANDI, 2004, p. 11). A entrada ao corpus pela cidade e não pelo país se dá uma vez que “uma nação, por outro lado, é uma entidade abstrata, enquanto que uma cidade tem dimensões, formas visíveis, sendo perceptível em primeira instância” (ORLANDI, 2004, p. 11). “A cidade tem uma dimensão simbólica; os monumentos, como também os vazios, praças e avenidas, simbolizam o cosmo, o mundo, a sociedade ou simplesmente o Estado” (LEFEBVRE, 2009, p. 70). A viagem e a cidade, nessa engrenagem, tampouco são dadas, senão construídas. As condições de produção são próprias ao fio do discurso, o qual, com elas e nelas, ganha corpo e tessitura. Os sentidos, porém, se fiam na história, constroem-se sempre como uma interpretação, uma versão em meio às possibilidades não ditas ou não recordadas, efeito do político (divisão), na/pela ideologia.