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Divulgação científica na interseção Ciência e Arte

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O YouTube tem se mostrado uma plataforma democrática para o estabelecimento de diversos canais de divulgação científica por tornar acessível ferramentas de produção que até pouco tempo mantinham-se exclusivas aos grandes produtores. O número de acessos destes canais autônomos mostra que o público nesta rede social busca por esse tipo de conteúdo; e a liberdade e o baixo custo de sua produção têm sido reconhecidos como principais aspectos positivos da plataforma. Contudo, a saturação de determinados tipos de conteúdos de divulgação científica e a falta de rigor metodológico na pesquisa e elaboração de roteiros dificultam uma apreciação consciente dos espectadores e são vistos como desafios modernos da divulgação científica. Longe de responder completamente a estes desafios, alguns caminhos apontam que a pluralidade de conteúdos ligados a alguma pesquisa científica ou grupo/instituição de pesquisa podem garantir uma confiabilidade no material apresentado ao público sem ferir o princípio de autonomia dos produtores. Assim, este trabalho apresenta alguns resultados e desafios de uma iniciativa de elaboração de um canal com conteúdo na interseção Ciência e Arte. Ainda que correntemente preterida no ambiente escolar, a relação entre ciência e arte tem se mostrado presente em diversos episódios da história: nos processos de extração de pigmentos vegetais utilizados por artistas, nos estudos da composição da luz por físicos e pintores, nas ilustrações de animais e plantas em pranchas de catalogação, nas diversas representações de cientistas em pinturas e esculturas, nos estudos de anatomia, nos diversos conceitos científicos que serviram de inspiração para obras artísticas, nas técnicas fotográficas que se utilizam de leis da ótica, na literatura e seus romances recheados de temas científicos, na paleoarte, no cinema, etc. Todos estes podem vir a tornar-se temas de vídeos futuros. O trabalho cooperativo entre cientistas e artistas, portanto, sempre foi uma constante. Não raramente, alguns cientistas também eram artistas amadores ou profissionais e vice-versa. Contudo, contrariando as inúmeras demonstrações lastreadas pelo registro histórico, os estereótipos reforçados pela educação formal muitas vezes parecem reforçar uma visão polarizada entre as ciências e as artes. Ambas são comumente colocadas em esferas diferentes e isoladas, os cientistas racionais e metódicos; os artistas emotivos e criativos. Além disso, o ambiente escolar tem encontrado dificuldades para apresentar aos alunos esta importante relação, uma vez que o professor que reconhece a importância do tema pode sentir falta de exemplos reais de como iniciar esse debate em sala de aula. Além disso, os temas, ainda que abundantes, podem requerer situações específicas demais ou conteúdos que não estão no domínio de conhecimento do professor. O canal de divulgação, assim, pode ser uma importante ferramenta nesta tarefa. O objetivo do canal é sempre utilizar algum tema artístico como gatilho para se discutir ciência; na elaboração dos roteiros são sempre utilizados livros e artigos científicos que compõem as pesquisas mais recentes sobre o assunto. Até o momento foram roteirizados, produzidos e lançados dois vídeos. O primeiro, intitulado Ciência e Arte #1 - O quadro de Lavoisier feito por Jacques-Louis David (1788), no qual é discutido o quadro do pintor Jacques-Louis David (1748 – 1825), retratando o químico francês Antoine Laurent Lavoisier (1743 - 1794) e sua esposa Marie Anne Lavoisier (1758 - 1836). Da análise do quadro é possível extrair diversas informações biográficas da vida do químico, além de compreender melhor sua carreira científica e os aspectos sociais, culturais e históricos que levaram a sua condenação pelo tribunal revolucionário. Além disso, o vídeo apresenta alguns dos principais aspectos do neoclassicismo, movimento artístico em que Jacques-Louis David foi o maior expoente. O segundo vídeo, intitulado Ciência e Arte #2 - Sherlock Holmes e a Ciência: Química, Dedução e Indução, é dedicado a relação do personagem ficcional Sherlock Holmes com a ciência, em especial com a química. Inicialmente, é demonstrado que o método investigativo utilizado pelo personagem pode ser bastante relacionado ao que historicamente ficou conhecido como método científico e as formas indutiva e dedutiva de pensar. Na sequência, são demonstra alguns trechos dos livros escritos por Arthur Conan Doyle (1859 -1930) que demonstram a estreita relação entre o detetive inglês e as ciências químicas. Com isso, são publicados no canal vídeos que discutam a ciência, e consequentemente seus conceitos, sua história, seus aspectos filosóficos, de uma forma atípica, que pode motivar e despertar o interesse das ciências àqueles telespectadores que tenham interesse em artes, e vice-versa. Muitos desafios foram encontrados no processo, como: a definição de temas futuros; a elaboração dos roteiros de forma didática, clara e concisa; alguns aspectos técnicos, como a gravação, edição e divulgação etc. Contudo, o compartilhamento de experiências permite a elaboração de estratégias para a superação destes obstáculos de forma criativa e eficaz.