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CULT, revista (d)e cultura em fluxo: transbordar papéis, telas e ideias para resistir na Era Digital

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Contrariando aqueles que prenunciam, há décadas, a morte do jornalismo impresso, Jenkins (2009, 2014) e Canclini (2015, 2016) defendem que os meios de comunicação tradicionais não estão sendo extintos pelos novos meios. Para eles, tradicional e novo coexistem, convergem e hibridizam-se. Exemplos disso são as revistas nativas impressas, criadas antes do boom digital, que hoje estão presentes tanto no papel como nas telas, condição mínima para resistirem no mercado editorial contemporâneo. Nesse processo, surgem novos desafios e potencialidades que alteram a cadeia de produção e consumo dessas publicações de ponta a ponta: do modelo de negócio à circulação; da forma ao conteúdo; da escolha da pauta à construção do material, que agora é multimídia; e da composição da equipe editorial à interação com o leitor. Como uma revista – mídia marcada por textos longos, analíticos e perenes – adequa-se a este cenário veloz e instantâneo? Como se sustenta numa época em que poucos estão dispostos a pagar para obter informação e conhecimento? É possível entrecruzar impresso e digital sem sacrificar a identidade e os valores de uma publicação já consolidada (BENETTI; STORCH, 2011)? No caminho até essas respostas, coloco em foco as revistas de cultura e, mais especificamente, a CULT – autoproclamada a mais longeva revista de cultura do Brasil (1997-atual) –, entendendo que essa categoria de publicações vivencia mudanças particulares na Era Digital, principalmente devido à sua herança ensaística, reflexiva e combativa (CAMARGO, 2004), na vanguarda do pensamento crítico. Considero, também, o caráter independente – em termos editoriais e financeiros – que tem caminhado com as publicações culturais desde seus primórdios, visto que essas, muitas vezes, são frutos de trabalhos coletivos, sem fins lucrativos, de artistas, escritores e intelectuais em geral (COHN, 2011). Assim, a partir do caso da CULT, busco compreender como se reconfigura e se hibridiza e como é produzida e sustentada uma revista de cultura, nativa impressa, neste contexto da Era Digital. Procuro, ainda, observar se e como a identidade e os valores já consolidados pela revista modificam-se no decorrer desses processos, uma vez que a CULT anuncia-se como um espaço para o debate da cultura em sua complexidade e transversalidade – abrangendo arte, filosofia, política, literatura, ciências humanas e ativismos sociais –, trazendo longos artigos, reportagens, entrevistas e ensaios assinados por jornalistas e acadêmicos de diversas áreas do conhecimento. Nesse sentido, questiono: revistas como a CULT são afetadas pela tendência à compactação e instantaneidade de conteúdos? Como manter aceso o interesse dos leitores e estimular que consumam uma revista de cultura de lenta digestão? De que maneira a CULT tem habitado os meios impresso e digital e como esses interagem entre si? Observar essas camadas e dimensões pode contribuir para o entendimento dos processos de transformação do jornalismo de revista, do jornalismo cultural, do mercado de revistas e, por fim, das revistas de cultura na contemporaneidade, além de fornecer pistas sobre o futuro e a resistência dessas publicações. Este trabalho é um recorte de uma pesquisa de mestrado em andamento. A pesquisa é qualitativa, ancorada nos Estudos Culturais (HALL, 2003), e se guia pelas estratégias de Estudo de Caso (YIN, 2003), adotando, para a coleta de materiais, técnicas de entrevistas em profundidade (DUARTE, 2005; MARCONI & LAKATOS, 2002), observação direta e participante (GIL, 2008; PERUZZO, 2005), e análise de conteúdo (BARDIN, 2011; FONSECA JÚNIOR, 2005). Tendo realizado entrevistas com os três editores de CULT – Daysi Bregantini, Welington Andrade e Amanda Massuela –, observação participante de uma reunião de pauta, observação direta de eventos no Espaço Revista CULT – centro cultural mantido pela revista em São Paulo (SP) – e análise preliminar dos conteúdos publicados por CULT entre 2010 e 2017, tanto em sua versão impressa como em seu portal e suas páginas em redes sociais, trago a este trabalho alguns resultados e considerações parciais. Verifico, por exemplo, que a revista atua em três frentes distintas: 1) meio impresso, com a publicação de edições mensais guiadas por um dossiê temático, além de entrevistas, reportagens, colunas e críticas literárias e teatrais que se preocupam em refletir o contemporâneo, mas não prendem-se a assuntos factuais; 2) meio digital, com alimentação diária do site e das redes sociais, incluindo notícias e artigos de opinião mais “quentes”, alinhados a acontecimentos e tendências do campo da cultura; e 3) encontros presenciais, abrangendo os debates, cursos e lançamentos de livros promovidos no Espaço Revista CULT e, ainda, congressos e simpósios organizados e co-organizados pela revista com o objetivo de aumentar e fomentar seu público leitor. As três frentes operam em consonância e formam a identidade e a base de sustentação da CULT, que visa resistir – não apenas como veículo de comunicação, mas também como plataforma de profusão e disseminação da cultura e do pensamento crítico – perante as transformações e os desafios – econômicos, políticos, sociais – desta era.