Anais do 4º Congresso Brasileiro de Política, Planejamento e Gestão da Saúde

Resumo

O relato propõe o compartilhamento de experiências de um grupo de trabalho denominado “Narrativas do Cotidiano e Cuidado” do Observatório da Saúde Coletiva (OBESC), projeto de extensão que realiza ações interdisciplinares com o intuito de acompanhar, analisar e/ou minimizar os efeitos da pandemia de Covid-19 em São João del-Rei e região. O grupo partiu do estudo das narrativas e suas dimensões formativa, científica e terapêutica para pensar a escrita, a memória e o cuidado dos sujeitos durante a vivência da pandemia. O objetivo foi criar um espaço de produção e troca de narrativas de modo a partilhar afetos, desafios, incertezas, aprendizados que emergem no atual contexto. As oficinas de escrita e encontros semanais organizaram este processo. Entrevistas e escritas colaborativas com profissionais de saúde também foram adotadas. Como resultado, desenvolveu-se narrativas pessoais e com profissionais de saúde e publicadas no site do OBESC como modo de partilha diárias e de arquivo de memórias que possibilitam identificação, reconhecimento, conexões e acolhidas. Também uma disciplina optativa foi ofertada, ampliando a experiência vivida com graduandos e profissionais de saúde.

Introdução

O Observatório da Saúde Coletiva (OBESC) é um projeto de extensão da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ) que surgiu em março de 2020, visando estruturar ações interdisciplinares em resposta aos desafios da pandemia de Covid-19 na cidade de São João del-Rei e região. De forma articulada, vários eixos se formaram a partir do projeto e um deles foi o Grupo de Trabalho “Narrativas do Cotidiano e Cuidado”. O que era, a princípio, um encontro entre estudantes dos cursos de Psicologia e Medicina e uma professora-orientadora para a troca de pequenos diários sobre suas experiências pessoais em meio à pandemia, se transformou em uma iniciativa de produção de conhecimentos sobre as vivências de cuidado durante o período e de construção de narrativas colaborativas no diálogo com profissionais da saúde da atenção primária, moradores, estudantes e professores de várias localidades, mobilizados pelo poder da escrita, do testemunho e do registro.

Objetivos

O presente relato almeja discutir sobre as experiências de um grupo de trabalho - “Narrativas do Cotidiano e Cuidado” - do projeto de extensão vinculado à Universidade Federal de São João del-Rei, chamado “Observatório da Saúde Coletiva”. O debate se direciona às potencialidades advindas da criação de narrativas frente aos impactos da nova conjuntura estabelecida pela pandemia de Covid-19 e, a partir disso, as possibilidades de se refletir sobre os significados de cuidado.

Metodologia

Atualmente, o grupo de trabalho reúne uma docente, duas graduandas do curso de Medicina e três de Psicologia da UFSJ. O principal recurso metodológico utilizado foi a pesquisa narrativa, tal escolha se justifica pela valorização dos significados, experiências e emoções do sujeito frente ao momento histórico e social que ele vivencia (Prokkola, 2014), o que permite a articulação entre a história individual e a história coletiva (Silva et al., 2007). Para Deleuze (2013), a escrita é uma forma de traçar linhas de fuga, já que o ato narrativo carrega uma dimensão terapêutica e testemunhal de elaboração do vivido, que sufoca e surpreende. Para tal, foram realizadas observações e diários de campo sobre o cotidiano e o trabalho desenvolvido pelo OBESC, narrativas baseadas em eventos reais e ficcionais, entrevistas com profissionais do SUS e do SUAS através de um roteiro semiestruturado disparador, oficinas de escrita e discussões semanais onde foram analisados os conteúdos das narrativas. Resultados e Discussão Primeiramente, foram feitas produções internas e, posteriormente, o convite para a criação de narrativas foi estendido para a comunidade, por meio de divulgações nas redes sociais. Parte dessas produções foi postada no site do OBESC, que até o momento conta com 60 publicações, divididas em três categorias: 37 Diários do Isolamento, 12 Narrativas do Cotidiano e 11 Narrativas do Cuidado. “Diários do Isolamento” são pequenos textos narrando episódios vivenciados no novo dia a dia; “Narrativas do cotidiano” seguem a mesma lógica, sendo mais extensos; e “Narrativas do cuidado” são relatos relacionados à experiência de profissionais e usuários dos serviços de saúde nesse período. A análise do material permitiu identificar pontos em comum relacionados ao desgaste com o isolamento social, ao diálogo entre coletivo e singular, às ressignificações sobre esse momento que se materializa diariamente e aos diferentes sentidos de cuidado. Pensando a produção do cuidado no encontro entre o usuário, o profissional e o mundo material vivido, mediado pelas tecnologias leves e duras (Merhy, 2000), a significação pelo narrar emerge como ferramenta potente de elaboração do processo saúde-doença.

Conclusões / Considerações finais

Depois de seis meses de projeto, o grupo de “Narrativas do Cotidiano e Cuidado” pode testemunhar muitas histórias e reflexões sobre o que significa viver uma pandemia em contextos tão singulares, desde o estudante universitário em isolamento, passando pelos debates sobre virtualidades, gênero e casa, até a agente comunitária que precariamente segue em suas visitas domiciliares apesar do receio de infecções. O grupo também pode refletir sobre o que significa elaborar a experiência e uma fração da enorme potência criativa e criadora da memória e do compartilhar. A equipe tem recebido, cada vez mais, narrativas de estudantes e docentes da UFSJ e outras instituições, seguindo na aposta do tecer de redes, na defesa do SUS e da universidade pública. Narrar e registrar é um ato de cuidado e um ato político. Não podemos deixar esquecer.

Referências

DELEUZE, Gilles. Conversações (1972-1990). Tradução de Peter Pál Pelbart. 3.ed. São Paulo: Ed. 34, 2013. MERHY, E. E. Um ensaio sobre o médico e suas valises tecnológicas: contribuições para compreender as reestruturações produtivas do setor saúde. Interface - Comunic., Saúde, Educ., v.4, n.6, p.109-116, 2000. PROKKOLA, E. Using Narrativity as Methodological Tool. ACME: An International E-Journal for Critical Geographies, v. 13, n. 3, p. 442-449, 2014. SILVA, A. P. et al. “Conte-me sua história”: reflexões sobre o método de História de Vida. Mosaico: Estudos em Psicologia, v. 1, n. 1, 2007.