DO CORPO INDIVIDUAL AO CORPO COLETIVO: SOMÁTICA PRA QUEM?

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Comitê Temático - Apresentação Oral
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Resumo

Num intuito de pensar junto e unir forças reflexivas sobre a ação do corpo em movimento no mundo, compartilhamos experiências e questionamentos advindos como artistas da cena e educadoras do corpo. Observamos limites e possibilidades do campo somático diante das urgências políticas contemporâneas, como corpas em solo brasileiro que estamos. Percebemos a importância de endereçarmos questões sobre liberdade, cuidado e saúde do corpo, pela perspectiva dos feminismos, enquanto atitude consciente político-somática. Nos questionamos o quanto a experiência somática pode ser uma prática descolonizadora, desmanteladora de poderes reacionários e mecanicistas e de que forma ela pode se apresentar enquanto ação micropolítica.
A filosofia mecanicista reduziu corpo em ferramenta, permitindo que pudesse ser manipulável (FOUCAULT apud FEDERICI, 2017). No contexto de acumulação do capital, a existência-mulher era (e ainda é) incompatível com a disciplina do trabalho capitalista e a exigência de controle social necessária para cumprir os mecanismos do patriarcado. Federici nos ilustra como, e quanto, foram necessários ao patriarcado, o saque e a exploração sobre vidas, corpos, direito à fala, escuta e ação das mulheres; deslegitimando seus conhecimentos e valores, desautorizando suas pulsões e seus modos de organização da corporeidade e identidades enquanto indivíduas e cidadãs. Esse percurso histórico revelado nos alerta sobre a importância de restituição das corporeidades da mulher, percebendo e retomando suas “autoridades internas”.
O discurso uníssono dominante dentro do campo das somáticas reforça o conceito do corpo vivido como experiência, sendo percebido na primeira pessoa, em oposição ao corpo objetificado. Esse reforço sobre primeira pessoa nos apresenta um ruído. O conflito entre experiência individual e pensamento político no campo coletivo também aflige Jill Green (2019), propositora da Teoria Social Somática. Assim como Green, Sylvie Fortin refere o alargamento da somática a uma dimensão expandida para além do indivíduo, impelindo x indivídux para agir no mundo e resistindo às tecnologias de dominação.
Fernandes (2018) discute o pensamento descolonial que se dá pela experiência de troca, conexão e relação do corpo interno e externo, ou seja, consigo e com o mundo, com o eu e o outro. A partir do processo de desenvolvimento de uma escuta sensível e de um refinamento perceptivo da aprendizagem do saber-sentir, acessamos o campo de atuação do nível individual para o coletivo, de cuidado de si para ação no mundo. Ao perceber as percepções - ações próprias da abordagem somática - tateamos nossas identidades, condicionamentos, hábitos e mecanismos de conduta ao sofrimento e à violência a si e a outrxs, numa atitude reveladora e consciente de si no mundo, desviante da ideia de indivíduo individualista, por ações “cristalinas” (FERNANDES, 2018, p.148), revolucionárias do movimento e da vida.
Ao pensarmos os discursos do corpo embasados numa semiotização alienante dos sentidos, fundamentalistas e fascistas, a prática somática se contrapõe à reacionária, ao ressemantizar os sentidos que nos conectam enquanto seres sociais e políticos, com novas formas de criar mundos, de criar espaços de mudança e de conexão, em coletividade; e quem sabe inclusive, adiar fins de mundo, como propõe Krenak (2019).
É preciso questionar como lidamos com as origens, as corporeidades, os lugares e identidades da História nas atuações das práticas somáticas e expandir o entendimento “para quem” e “por quem” se pensa e cuida do soma, se alinhando a modos de vida em coletividade e alteridade. Que práticas temos seguido e para que corpxs temos pensado? O corpo violentado? Excluído? Invisibilizado? Em luto? Em luta? E que ideais e ideias estão por trás, por dentro, por fora, por todas as moléculas deste corpo-espaço intenso em cuidado? Esse texto não pretende responder, porque a realidade nos exige questionar!
1 Autoridade interna, ou autoridade somática, é um termo citado por Fortin, em entrevista concedida à Héloïse Husquinet (2018).
Caroline Lopes Ozório (UFRJ)
[email protected]
Graduanda em Teoria da Dança (UFRJ) e Educação Física (UFJF). Desenvolve o método de educação corporal “Corpo Vivo”. Mestranda em Dança (PPGDan/UFRJ). Investiga cuidado somático de si e a integração dos espectros corpo, mente e espírito na preparação corporal de artistas da cena, orientada por André Meyer e Ligia Tourinho.

Tatiana de Britto Pontes Rodrigues Pará (UFRJ )
[email protected]
Artista-bailarina, pesquisadora e educadora somática especializada nos métodos Gyrotonic® e Gyrokinesis®. Mestranda em Dança (PPGDan/UFRJ), Especialista em Terapia Através do Movimento (FAV/RJ) e Graduada em Psicologia (UNAMA). Investiga o diálogo entre a Educação Somática e a preparação do corpo cênico em Dança. Orientadora: Jacyan Castilho de Oliveira.

Referências:
FORTIN, Sylvie. Repères pour une approche écosomatique de l’éducation somatique. In: BARDET, Marie; CLAVEL, Joanne e GINOT, Isabelle (Org.). Écosomatiques. Penser l’écologie depuis le geste. Montpellier: Deuxième époque, 2018. Cap. p. 155-168.
FEDERICI, Silvia. O Calibã e a Bruxa: mulheres, corpo e acumulação primitiva. Tradução: Coletivo Sycorax. SP: Elefante, 2017.
FERNANDES, Ciane. Dança cristal: da arte do Movimento à Abordagem Somático-Performativa. Salvador: EDUFBA, 2018.
GREEN, Jill. Movendo-se para dentro, para fora, através e além das tensões entre experiência e construção social na teoria somática. Tradução de Diego Pizarro e Maria Albertina Silva Grebler. Repertório. Revista do Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas, Universidade Federal da Bahia. Salvador, v.32, p.21-43, 2019.
HUSQUINET, Héloïse. “Du corps intime au corps social”: pratiques somatiques et pensée critique. Dialogue avec Sylvie Fortin. Collectif contre les violences familiales et l’exclusion. Montréal, 2018.
KRENAK, Ailton. Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.

Instituições
  • 1 Universidade Federal do Rio de Janeiro
Eixo Temático
  • Corpo e Política: implicações em modos de aglutinação e criação em dança
Palavras-chave
TEORIA SOCIAL SOMÁTICA
Micropolítica
CORPO COLETIVO
POLÍTICA DO SENSÍVEL
feminismo