AS NOVAS TECNOLOGIAS BIOMÉDICAS NO CUIDADO AO CÂNCER E O AUMENTO DAS DESIGUALDADES EM SAÚDE NO BRASIL

Vol 1, 2019 - 122593
Exposição Oral
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Resumo

A medicina está passando por um importante processo de transformação a partir da incorporação intensiva de inovações tecnocientíficas. A oncologia é considerada a área médica que mais tem incorporado novas tecnologias genômicas, a exemplo dos medicamentos alvo, testes genéticos e imunoterapia. Tratamentos com terapias e imunoterapias geraram melhora significativa nos resultados clínicos de alguns tipos de câncer, resultando em menos toxicidade, menos efeitos colaterais e aumento da sobrevida global. O alto custo dessas tecnologias, no entanto, coloca desafios significativos em relação à igualdade no acesso a seus benefícios para toda a população e para a sustentabilidade dos sistemas de saúde. Associada às novas tecnologias se desenvolvem também novas concepções sobre a saúde e a doença e o papel de médicos e pacientes no que se está denominando de medicina de precisão ou medicina personalizada. Objetivos. O objetivo deste trabalho foi compreender como as inovações biomédicas na atenção ao câncer estão sendo incorporadas na prática oncológica em diferentes instituições do sistema de saúde brasileiro (públicas e privadas) e como repercutem sobre as desigualdades em saúde. Procuramos compreender também a visão dos oncologistas sobre as novas tecnologias e como lidam com os dilemas éticos que emergem no acesso desigual aos seus benefícios. Metodologia. O estudo foi realizado em três centros oncológicos (público, privado e beneficente) na cidade de Salvador entre novembro de 2017 e fevereiro de 2019. O trabalho de campo incluiu observação participante em reuniões científicas e de discussões de casos clínicos além de entrevistas semi-estruturadas com 17 oncologistas e 36 pacientes em tratamento oncológico nas três instituições. Nossa perspectiva teórica parte do pressuposto que as tecnologias biomédicas estão inseridas em contexto morais, e sua aplicação na clínica é fortemente influenciada por normas culturais, interesses políticos, econômicos, médicos e tendências científicas dominantes (Lock e Nguyan, 2010). Nesse sentido, é importante entender como as inovações estão inseridas em um "imaginário" científico (Tutton, 2014; Prainsack, 2017) e são moldadas por contextos e práticas econômicas e políticas em "mundos morais locais" (Kleinman, 2009). Resultados e discussão. O Sistema Único de Saúde (SUS) é um sistema universal que tem por princípio oferecer assistência integral e igualitária a toda a população brasileira. Na prática, no entanto, o sistema é segmentado entre pacientes que possuem planos privados de saúde, com diferentes níveis de cobertura, e pacientes que dependem apenas do subsistema público. Os resultados apontam a existência de grande desigualdade nos protocolos de tratamento do câncer e no acesso às novas tecnologias biomédicas a depender da instituição em que o paciente está sendo tratado e do tipo de convênio que ele possui. Os protocolos variam inclusive entre centros oncológicos no subsistema público. As novas tecnologias impactam a organização dos serviços levando a maior especialização dos oncologistas nos centros privados em contraste com um perfil mais generalista nos centros oncológicos públicos. A perspectiva de uma medicina de precisão, com a estratificação de pacientes a partir das características moleculares do tumor, utilização de medicamentos alvo e imunoterapia é vista de forma muito positiva e pouco crítica pela maior parte dos oncologistas, gerando, no entanto, preocupação com seu alto custo e a sustentabilidade do sistema de saúde. Para os oncologistas, as desigualdades no acesso às novas tecnologias é fonte de frustração e coloca um dilema ético pela existência de protocolos de tratamento diferentes para pacientes com as mesmas necessidades. Essa frustração é ainda maior nas chamadas doenças órfãs de medicamento no SUS, em que não existe alternativa eficaz aos novos medicamentos de alto custo. A judicialização é uma das estratégias utilizadas por médicos e pacientes para lidar com a desigualdade de acesso aos novos medicamentos. O médico se encontra no centro de um conflito ético entre o imperativo de fazer o melhor para seu paciente e as pressões institucionais e governamentais para reduzir os custos de drogas de alto custo através dos tribunais. Apesar de ser quase consenso entre os médicos entrevistados de que os pacientes do SUS devem ser informados da existência de medicamentos de primeira linha, independente deles estarem ou não disponíveis no SUS, isso nem sempre ocorre. O apoio a judicialização, por vezes, se dá a partir de critérios informais que terminam por gerar nova estratificação de pacientes. Considerações Finais. O cuidado oncológico no Brasil é marcado pela persistência de antigas desigualdades no acesso aos meios de prevenção, diagnóstico e tratamentos convencionais do câncer, aos quais se vem somar novas desigualdades a partir da forma como as novas tecnologias biomédicas estão sendo incorporadas na prática oncológica.

Eixo Temático
  • GT 26 - Saberes e tecnologias biomédicas: agenciamentos, políticas e éticas no campo da saúde